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domingo, 27 de abril de 2008

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 13.041 - DF. Pena de declaração de inidoneidade para licitar e contratar com a Administração

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 13.041 - DF (2007/0197214-6)
RELATOR : MINISTRO JOSÉ DELGADOIMPETRANTE:CONSTRUTORA GAUTAMA LTDA ADVOGADO:EDUARDO ANTONIO LUCHO FERRÃO E OUTRO(S)IMPETRADO :MINISTRO DE ESTADO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO(Relator): Examina-se mandado de segurança impetrado pela Construtora Gautama Ltda. contra ato do Ministro de Estado de Integração Nacional publicado no DOU de 13.07.2007.

Entende a impetrante que o mencionado ato que lhe aplicou a pena de declaração de inidoneidade para licitar e contratar com a Administração, sem obedecer ao devido processo legal, é nulo, haja vista ter cerceado o seu direito de defesa e ao recurso hierárquico, além de inexistir provas concretas para a aplicação da pena imposta.

A autoridade apontada como coatora, nas informações prestadas, defende a legalidade do ato praticado, pelo que invocou a denegação da segurança por ausência de direito líquido e certo.

Parecer do Ministério Público pelo não-acatamento do mandamus.

É o relatório.



MANDADO DE SEGURANÇA Nº 13.041 - DF (2007/0197214-6)




EMENTA
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. INIDONEIDADE DECRETADA PELA ADMINISTRAÇÃO. INEXISTÊNCIA DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO A SER PROTEGIDO.
1. Inexiste direito e líquido e certo a proteger empresa que, a juízo da Administração, tem contra si, com base em fatos concretos, decretada a pena de inidoneidade para licitar e contratar com o Poder Público.
2. Não é inconstitucional a pena de inidoneidade prevista nos arts. 87 e 88 da Lei 8.666, de 1993. Valoriza a aplicação do princípio da moralidade.
3. O juízo de valor fixado pela Administração Pública, por um dos seus agentes, resultante em aplicação da pena de inidoneidade, com base em fatos concretos, só não terá validade e eficácia, se existir sentença judicial com trânsito em julgado reconhecendo a licitude dos atos que a Administração aponta como ilegal e que foram tomados por base para a aplicação da pena.
4. No mandado de segurança em exame, estou convencido de que:
a) o processo administrativo que resultou na aplicação da penalidade de inidoneidade obedeceu aos seus trâmites legais;
b) não houve desrespeito ao direito de ampla defesa da impetrante no curso do processo administrativo;
c) inexistiu supressão ao direito do recurso hierárquico por o processo administrativo não ter sido enviado ao Presidente da República;
d) há provas concretas analisadas pela Administração e que serviram, sem nenhum desvio jurídico, como base para a decisão impugnada;
e) inexiste inconstitucionalidade na pena de inidoneidade, no caso em exame;
f) a decisão violou o princípio constitucional da proporcionalidade ao praticar o ato administrativo questionado.
5. Segurança denegada.




VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO(Relator): A impetrante, em bem elaborada petição inicial, descreve, de modo sintético, o suporte fático que sustenta o seu pedido, de modo seguinte (fls. 5/13):

A Impetrante é uma empresa que se dedica a realização de obras públicas, bem como a concessão de serviços públicos, a mais de 12 (doze) anos.
Não obstante o seu extenso rol de serviços prestados ao país, a Impetrante foi alvo de açodado e ilegal processo administrativo n. 59.000.000.717/2007-89, junto ao Ministério da Integração Nacional, cujo objeto versa sobre supostas irregularidades em procedimento licitatório (Doc. 01 – cópia integral do processo administrativo).
Cumpre salientar que tal processo teve origem a partir de consulta formulada pelo E. Ministro de Estado da Integração Nacional à Controladoria Geral da União, em razão da participação da Construtora Impetrante em consórcio com outras empresas na Concorrência Pública n. 02/2007.
As matérias às quais faz referência a consulta formulada dizem respeito às investigações realizadas pela Polícia Federal na operação denominada “Operação Navalha”, em que é investigado suposto esquema de fraude a licitações, cujos elementos constam do Inquérito n. 544-BA, ainda não concluído e em trâmite perante esse Excelso Tribunal.
Em resposta a tal ofício, muito embora o procedimento administrativo ainda não tivesse sido instaurado, bem como o contraditório e a ampla defesa ainda não tivessem sido exercidos, foi elaborado parecer pelo Analista de Finanças e Controle, aprovado pelo Chefe da Assessoria Jurídica, opinando pela declaração de inidoneidade. Como se observa, antes mesmo de qualquer manifestação da Impetrante, o órgão público federal já se manifestara condenando previamente a Impetrante.
Intimada a apresentar sua defesa administrativa, a Impetrante sustentou, sinteticamente, na sua defesa preliminar, em 06.07.07, que:
a) O Tribunal de Contas da União decidiu por não aplicar a penalidade da declaração de inidoneidade à Impetrante, tendo em vista que não existem provas concretas acerca de qualquer ilícito cometido, mas somente indícios extraídos do inquérito em trâmite no Superior Tribunal de Justiça;
b) Ocorreu desrespeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa, face à impossibilidade de apresentar defesa definitiva nos presentes autos, dada a apreensão dos documentos da Impetrante pela Polícia Federal (conforme auto de busca e apreensão do referido inquérito);
c) Por conta da aplicabilidade dos princípios do Direito Penal às sanções administrativas, todo e qualquer ilícito ou infração administrativa, bem como as sanções correspondentes devem estar devidamente e expressamente previstas em lei;
d) Diante da inexistência de ilícito administrativo, bem como da ausência de condenação na esfera penal e do princípio da presunção de inocência, consagrada no artigo 5°, inciso LVII, a Impetrante não pode ser condenada à penalidade aplicada, qual seja, de inidoneidade;
e) Diante da natureza inquisitiva do Inquérito Policial, a não conclusão do mesmo, bem como o próprio julgamento da eventual ação penal, impede que sejam acolhidos os fatos lá investigados, reconhecendo-os como verdadeiros ou irrefutáveis, para aplicação da pena combatida no processo administrativo;
f) Subsidiariamente, requereu-se que diante do princípio da proporcionalidade não fosse aplicada a penalidade máxima, ao caso em comento.
Foi apresentada defesa preliminar uma vez que sem a documentação que se encontra em poder da Polícia Federal (apreendida na Operação Navalha), não pode a Impetrante apresentar sua defesa administrativa definitiva.
Em 12 de julho de 2007, o Secretário Executivo do Ministério da Integração, entretanto, proferiu parecer relatando sucintamente o processo e, ao final, SEM FUNDAMENTAR AS RAZÕES pelas quais concluiu de tal maneira, afirmou que “não obstante as alegações contidas na defesa da empresa indiciada, entendo ser inequívoca a possibilidade de aplicação da pena/idade de declaração de inidoneidade para contratar e licitar com a Administração Pública a empresa CONSTRUTORA GAUTAMA LTDA., bem assim, ao seu sócio cotista ZULEIDO SOARES VERAS, face ao comando emanado do art. 88, incisos II e III, combinado com o art. 87 da Lei n°. 8.666, de 21 de junho de 1993...”.
Ainda na mesma data, o Coordenador Geral de Análise de Atos Oficiais e Procedimentos Administrativos juntamente com o Consultor Jurídico do Ministério da Integração Nacional, proferiram parecer pelo não acolhimento da defesa apresentada.
Em seguida, estranhamente às 21:30hs do dia 12 do corrente mês, abruptamente, quando o parecer foi encaminhado ao Secretário Executivo (conforme página 207 do processo administrativo) e somente após tal feito passar pelo Exmo. Sr. Ministro de Estado, sem que houvesse tempo hábil para apreciação integral dos presentes autos (quer da defesa, quer do parecer produzido, conjunto este que monta mais de 100 laudas), pela autoridade competente, foi proferido o despacho que declarou a inidoneidade da Impetrante.
Pois bem, em seguida, numa demonstração de celeridade incomum (ou melhor, açodamento incompatível com a serena e criteriosa análise dos argumentos de defesa, e assim, com o próprio Estado de Direito), o expediente foi enviado à publicação, portanto, leia-se, após a decisão do Exmo. Sr. Ministro de Estado, como era de se esperar, lembrando que o parecer foi encaminhado às 21:30 hs do dia 12 do corrente mês.
O açodamento na tramitação do processo e, especialmente, no intuito de declarar a Impetrante inidônea foi tão eloqüente que até mesmo se atropelou os atos normativos internos da Administração Pública federal, vez que a Portaria n° 310, de 16 de dezembro de 2002 (que dispõe sobre “normas para publicação no Diário Oficial da União”), prevê que “as matérias a serem publicadas no Diário Oficial da União deverá ser transmitidas eletronicamente ou, se for o caso, entregues Por meio de mídia magnética até às 16 horas no dia útil anterior ao previsto para sua efetiva publicação, salvo as que requererem pagamento prévio, cuja entrega deverá ocorrer dentro do horário bancário” (art. 30).
Ora, o ato foi para a publicação, na melhor das hipóteses, após às 21:00 hs, em momento, portanto, bem posterior ao indicado pelas normas internas para a publicação de atos desta espécie. Ante tal cronologia, SÓ SE PODE CONCLUIR que a decisão de aplicar a penalidade em comento já estava tomada antes mesmo de chegar ao Ministro de Estado o parecer - o que implica em reconhecer que essa decisão foi produzida antes mesmo do relatório, sem apreciação das razões de defesa.
Outro fato que evidencia que essa decisão já havia sido tomada antes mesmo da prolação da mesma, bem como antes da devida análise das razões colocadas pela Impetrante é que a imprensa escrita, Jornal a Tarde, no próprio dia 13.07.2007 (portanto, concomitantemente à publicação do Diário Oficial da União), publicou informações detalhadas da decisão adotada contra a Impetrante, sendo que o despacho supostamente teria sido proferido após as 21:30 horas do dia anterior. Isso indica mais uma vez a espécie de tratamento dado ao caso pelo Ministério da Integração Nacional.
Contra essa decisão que aplicou prematuramente a penalidade em comento, para não dizer de maneira “atropelada” dada a complexidade de um procedimento desta natureza, a Impetrante apresentou tempestivo recurso administrativo com pedido de efeito suspensivo ao Ministro Sr. Geddel Vieira Lima, do Ministério da Integração Nacional em 16.07.07.
Nesse recurso administrativo foi a requerida (i.) a reconsideração da decisão que decretou a Impetrante como inidônea para contratar com a Administração Pública, com pedido de efeito suspensivo da mesma e, em caso de não reconsideração, (ii.) o encaminhamento dos autos ao Excelentíssimo Presidente da República, para apreciação como recurso hierárquico.
Esta decisão toma por fundamento parecer que firma: (a.) que não houve açodamento no julgamento da causa; (b.) a possibilidade de aplicação da pena imposta, ante sua compatibilidade com o ordenamento jurídico; (c.) a suficiência dos elementos trazidos nos autos do inquérito para a condenação da empresa e (d.) a impossibilidade de atribuição de efeito suspensivo ao recurso e a o não cabimento da apreciação pelo Presidente da República.
Desta feita, apesar do legítimo esforço da Impetrante em buscar salvaguardar seu direito ao devido processo legal administrativo, junto ao Ministro da Integração Nacional, E à correção da aplicação dos princípios da administração pública na aplicação das penas e, especialmente, na apreciação das provas, tais direitos foram frontalmente violados.
Tal circunstância faz imperiosa a impetração do presente writ em razão da necessidade da prestação jurisdicional para suspender a penalidade imposta até o julgamento deste mandamus, sendo, ao final, cassada a sua aplicação, pelos fundamentos abaixo desenvolvidos.


Sustenta, a seguir, que tem direito líquido e certo a ser afastado o ato ilegal praticado pela autoridade apontada como coatora, em face das razões seguintes (fls. 13/31):

No caso em tela, a violação a direito líquido e certo da Impetrante decorre das ilegalidades existentes na decisão impugnada, tanto de ordem processual, como relativas ao próprio mérito, que podem ser assim sintetizadas:
A - VIOLAÇÕES DE NATUREZA PROCESSUAL
1) A NÃO observância do devido processo legal, uma vez que a empresa não pode apresentar defesa dado que sua documentação estava apreendida nos autos do IP n. 544-BA;
2) O NÃO envio dos autos ao Presidente da República, suprimindo seu direito ao recurso hierárquico.
B - VIOLAÇÕES QUANTO AO MÉRITO
1) Ausência de provas concretas para a aplicação da pena, dado que a condenação da empresa pautou-se em meros indícios do inquérito policial, não concluído, não tendo sido renovadas na esfera administrativa;
2) A inconstitucionalidade da pena de inidoneidade, pela violação do princípio da estrita legalidade, e;
3) Ante a violação do princípio da proporcionalidade.
DESTA FEITA, PELAS RAZÕES ACIMA DELINEADAS, PASSEMOS A APRECIAÇÃO DE CADA RAZÕES QUE ATINGEM O DIREITO LÍQUIDO E CERTO AQUI DEFENDIDO QUE CONDUZEM A CONCESSÃO DA SEGURANÇA.
IV.A.1. A NÃO OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
A primeira ilegalidade do procedimento administrativo e, certamente, uma das mais candentes, que redundou na aplicação da pena ora recorrida, decorre do manifesto cerceamento do direito de defesa da Impetrante.
Torna-se imprescindível ponderar que a conclusão sobre tal assertiva se alcança a partir da simples análise dos autos. Se a documentação da empresa fora apreendida no bojo da “Operação Navalha”, como pretender que fosse possível apresentar sua defesa nos autos do referido procedimento administrativo? Como exercer o legítimo e efetivo direito de defesa sem possuir cópias das medições, dos relatórios e documentos entregues, cópia das manifestações e documentos enviados aos órgãos de controle externo e aos contratantes?
Absolutamente impossível!
O parecer que fundamenta a decisão aponta apenas que (fls. 346 do processo administrativo) “quanto a alegação de que há impossibilidade de apresentação de plena defesa destaca-se que à empresa foi garantido a plenitude do direito previsto no artigo 5º, LV da Lei Maior, já que lhe foi dada a oportunidade de se manifestar acerca dos fatos que lhe foram imputados”. E segue: “Frise-se que o Estado, em nenhum momento, agiu de forma arbitrária ou abusiva pra desconsiderar a plenitude de defesa, pois a medida adotada reveste-se de legitimidade ético jurídica e está em conformidade com o princípio do devido processo legal' (fls. 347 do processo administrativo).
Salta aos olhos que a alegada garantia do direito de defesa, segundo o entendimento do Ministério da Integração Nacional, é manifestamente formal, vazia de conteúdo efetivo, ao contrário do que garante a Constituição Federal.
A autoridade coatora recusou, indevidamente, reconhecer a indiscutível impossibilidade fática e jurídica para o exercício do direito de defesa. Impossibilidade fática, dado que a documentação não estava na posse do Impetrante no exíguo prazo para a apresentação da defesa quanto a pena de inidoneidade. Impossibilidade jurídica, porquanto, estando apreendida referida documentação, não dispunha a Impetrante de meios para apresentação da completa defesa.
Diante destes fatores, devidamente comprovados, resta como indiscutível a possibilidade da Impetrante de exercer em sua plenitude o direito de ampla defesa como garantido na Constituição federal, o que vem, entre outros fatores, a caracterizar indiscutivelmente a flagrante ilegalidade do ato coator aqui impugnado.
Com efeito, a Constituição Federal através das garantias dispostas no artigo 5°, incisos LIV e LV, procura estabelecer parâmetros nos quais as partes possam litigar em igualdade de condições e exercer seu direito de defesa.
Acerca deste tema, ensina-nos o Professor ALEXANDRE DE MORAES:
“O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no campo material de proteção ao direito de liberdade e propriedade quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, à produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).
(...)
O devido processo legal tem como corolários a ampla defesa e o contraditório, que deverão ser assegurados litigantes, em processo judicial criminal e civil ou EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, inclusive militar, e aos acusados em geral, conforme o texto constitucional expresso”.
E acrescenta ainda no campo no contraditório e da ampla defesa:
“Por ampla defesa, entende-se o ASSEGURAMENTO QUE É DADO AO RÉU DE CONDIÇÕES QUE LHE POSSIBILITEM TRAZER PARA O PROCESSO TODOS OS ELEMENTOS TENDENTES A ESCLARECER A VERDADE ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação, caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor”
Ora, são dispensáveis maiores esforços para concluir, in casu, que o exercício do direito de defesa foi profundamente prejudicado, quando não obstado, por conta da apreensão efetivada, de onde se concluiu que deveria ter a Autoridade Coatora decretado a suspensão do processo administrativo (ou requisitado a Polícia Federal a documentação), como expressamente requerido.
A este respeito ADILSON ABREU DALLARI leciona:
“É essencial que ao interessado ou acusado seja dada a possibilidade de produzir sua próprias razões e provas e, mais que isso, que lhe seja dada a possibilidade de examinar e contestar os argumentos , fundamentos e elementos probantes que lhe sejam desfavoráveis”.
O amplo exercício do direito de defesa do processo administrativo impugnado, dada sua natureza, trata-se de verdadeira condição sine qua non de validade da própria decisão.
Neste diapasão os ensinamentos do Professor DANIEL FERREIRA. vem esclarecer:
“Pode-se afirmar, sem atropelos, que não apenas em nível sancionatório, mas em sede de quaisquer atos estatais restritivos de direitos urge seja observado o devido processo legal, sob pena de inconstitucionalidade.”
Salta a toda evidência, portanto, a impossibilidade de apresentação de defesa no processo administrativo e a necessidade de concessão da segurança pretendida nestes autos.
IV.A.2. DO CABIMENTO DE RECURSO HIERÁRQUICO
Outro ponto que inquina de ilegalidade o ato coator aqui impugnado decorre da recusa no envio do recurso interposto à apreciação do 1. Presidente da República.
Afirma o parecer que subsidiou a decisão que: “a legislação específica aplicável ao caso demonstra-se tratar-se de decisão proferida em única instância pelo Ministro de Estado, cabendo apenas pedido de reconsideração pela própria autoridade”.
Não procede esta afirmativa que, uma vez mais, milita contra o devido processo administrativo.
Com efeito, o recurso interposto pela Impetrante deveria ter sido remetido ao I. Presidente da República, caso tivesse a Autoridade Coatora observado o devido processo legal, em observância ao Parecer n°. AM –1/2000 da Advocacia Geral da União.
Dispõe a ementa deste parecer:
“RECURSO ADMINISTRATIVO PARA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA.
Cabe recurso ordinário ao Presidente da República em processo administrativo, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas em lei, quando a decisão recorrida tiver sido proferida em única instância por Ministro de Estado.
RECURSO CONTRA DECISÃO QUE CONFIRMA A VALIDADE DE AUTORIZAÇÃO DE PESQUISA MINERAL INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 68, § 3º DO CÓDIGO DE MINERAÇÃO (DECRETO-LEI 227/63).
O recurso ao Presidente da República, previsto no Artigo 68, § 3º, do Código de Mineração, é cabível apenas contra despacho ministerial declaratório de nulidade ou caducidade da autorização de pesquisa, não socorrendo a confirmação de validade dessa autorização.
RECURSO ADMINISTRATIVO POSTADO EM AGÊNCIA DOS CORREIOS. CONTAGEM DO PRAZO A tempestividade do recurso administrativo é verificada quando da entrada da petição no protocolo da repartição competente, sendo irrelevante a data em que postada no correio. AUTORIZAÇÃO DE PESQUISA MINERAL INADIMPLÊNCIA DO RELATÓRIO DE PESQUISA; A apresentação de relatório de pesquisa mineral a qualquer tempo e mesmo em outro processo administrativo, desde que sobre a mesma área e substância, supre a exigência constante na redação do artigo 23 do Código de Mineração anterior à Lei 9.315, de 14 de novembro de 1996. As novas autorizações de pesquisas minerais, eventualmente concedidas a titulares que não apresentaram relatórios dos trabalhos realizados, não podem, desde a entrada em vigor da Lei 9.315, de 14 de novembro de 1996, ser anuladas pela aplicação do revogado parágrafo único do artigo 23 do Código de Mineração".
Em conformidade com aludido Parecer, bem como a legislação aplicável ao caso vertente, assegura-se ao Impetrante a interposição de Recurso Administrativo ao Exmo. Sr. Presidente da República, contra decisões proferidas por Ministros de Estado em única ou última instância. É exatamente o caso em comento, uma vez que a declaração de inidoneidade foi proferida no bojo de processo administrativo e pelo Ministro de Estado do Ministério da Integração Nacional.
Não se trata de “terceira instância” como referida na destacada no parecer (fls. 353 do processo administrativo). A pena de inidoneidade foi aplicada naquela única instância – o Ministro da Integração Nacional, e por isso o evidente cabimento do recurso em tela.
Assim, a necessidade da remessa do recurso ao Chefe do Poder Executivo Federal decorre, portanto, de um lado, do próprio sistema constitucional que prevê a possibilidade do recurso hierárquico e, de outro lado, pela disposição da Lei Complementar n°. 73/1993 que determina que os Pareceres da AGU submetidos à aprovação do Presidente da República, vinculam a Administração Federal.
Logo, como o Parecer acima transcrito foi submetido e aprovado pelo Exmo. Sr. Presidente da República (firmado em 5.04.2001 o devido “aprovo"), torna-se forçoso concluir que a Administração Pública Federal, no fiel cumprimento à Lei Complementar referida, deveria, em respeito ao devido processo legal administrativo, ter recebido e enviado os autos para apreciação da autoridade hierarquicamente superior.
Não o fazendo, como de fato ocorreu, revela-se como flagrante a violação do direito líquido e certo que se pretende restaurar por mandamus.
Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a necessidade de que o recurso interposto seja encaminhado a autoridade superior hierarquicamente. A ementa da decisão pacifica toda qualquer dúvida.
MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MINISTRO DE ESTADO. APLICAÇÃO DE PENALIDADE. INTERPOSIÇÃO, NA VIA ADMINISTRATIVA, DE RECURSO ADMINISTRATIVO HIERÁRQUICO AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. RECEBIMENTO COMO REVISÃO. ILEGALIDADE. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA DO IMPETRANTE. SEGURANÇA CONCEDIDA.
1. O direito de ampla defesa e do contraditório ao impetrante restou cerceado, porquanto seu recurso hierárquico, com pedido de reconsideração, não foi submetido ao agente superior e foi recebido como revisão.
2. O recurso administrativo hierárquico, independentemente da denominação conferida pelo administrado, deve ser submetido à autoridade hierarquicamente superior, caso o agente ou órgão prolator da decisão ou ato impugnado não o reconsidere. Na espécie, o fundamento de que o processo administrativo disciplinar se rege pela Lei n. 8.112/90 e apenas subsidiariamente pela Lei n. 9.784/99 não exclui a possibilidade e o direito do interessado de ter seu recurso examinado pelo agente superior, já que o recurso administrativo hierárquico independe de previsão legal. Assim, é irrelevante o fato de o recurso hierárquico não estar previsto na legislação especial, qual seja, a Lei n. 8.112/90. De qualquer forma, o referido diploma legal contempla a possibilidade de recorrer à autoridade hierarquicamente superior, no capítulo destinado ao direito de petição, assegurado aos servidores públicos, em processo administrativo disciplinar (arts. 104/115), denominando-se simplesmente de recurso.
3. Imperioso asseverar, ainda, que a previsão, na Lei n. 8.112/90, do pedido de revisão não possui o condão de excluir, em razão de alegada especialidade, o recurso administrativo hierárquico, já que os dois recursos não se confundem. Com efeito, o pedido de revisão possui requisitos mais específicos que o hierárquico e é analisado pela autoridade que praticou o ato impugnado. Sobreleva notar que o recebimento de um recurso no lugar do outro não pode ser realizado com vista a prejudicar a situação do administrado, nem cercear seu direito de defesa.
4. Segurança concedida, diante do cerceamento do direito de defesa do impetrante, para determinar à autoridade impetrada que encaminhe os recursos administrativos hierárquicos do impetrante ao Presidente da República, para que este os examine como entender de direito.
(STJ - MS 10254 - Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, Terceira sção. Julgamento 22/03/2006, DJ 03.04.2006 p. 215). (Destacamos).
Destarte, pelos vícios processuais acima apontados, resta indiscutível a violação do devido processo legal administrativo e a necessidade, primeiramente, do deferimento da liminar postulada e, ao final, da concessão da segurança para afastar em definitivo a ilegal penalidade imposta pelo ato coator aqui impugnado.
Não bastassem os vícios de natureza processual que maculam a decisão (por si só suficientes para concessão da segurança), passemos a apreciação dos vícios de mérito do ato coator que violou o direito líquido e certo da impetrante.
IV.B.1. AUSÊNCIA DE PROVAS CONCRETAS PARA A APLICAÇÃO DA PENA
Com efeito, torna-se fundamental destacar a absoluta ausência de provas concretas a ensejarem a decretação da pena de inidoneidade, ao contrário do que considerou o Consultor Jurídico do Ministério da Integração Nacional, ao emitir o Parecer n. 1339/2007.
Efetivamente, a lei não aduz à condenação prévia para se impor a sanção de inidoneidade. No entanto, como não fora trazida qualquer prova concreta acerca da prática de ilícitos, urge que seja anulada a r. decisão que negou provimento ao Recurso Administrativo da Impetrante, sob pena de flagrante violação a direito líquido e certo.
De acordo com tal parecer, a pena imposta à Impetrante fora aplicada não somente com base nas informações trazidas do Inquérito Policial n. 544, como também com decisões extraídas do TCU.
Ocorre que ambas foram produzidas sem as garantias do contraditório e da ampla defesa, ressaltando-se que as investigações em curso no referido inquérito sequer foram concluídas, o que não pode servir como prova no referido processo administrativo.
Portanto, evidente a afronta perpetrada pelo Ministério a mais uma garantia constitucional, qual seja, a presunção de inocência, consagrada no artigo 5°, inciso LVII, segundo o qual, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condena tória".
Ora, ato ilícito não pode ser “suposto”, “provável”, muito menos, caracterizado com base em notícias da imprensa, ou ainda em “meras investigações”, onde sequer existe a garantia do contraditório – como ocorre no Inquérito Policial.
Eventual ilicitude deve ser expressamente DEMONSTRADA, sustentada, portanto, em PROVAS CABAIS BEM COMO DELIMITADA EXPRESSAMENTE NA MOTIVAÇÃO DO ATO.
Acerca da presunção de inocência, torna-se indispensável destacar o entendimento consagrado por este Colendo Supremo Tribunal Federal:
“O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA NÃO CULPABILIDADE IMPEDE QUE O ESTADO TRATE, COMO SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL. A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CF, art. 5°, LXI e LXV) – não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem. Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível – por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5°, LVII) – presumir-lhe a culpabilidade. NINGUÉM PODE SER TRATADO COMO CULPADO, QUALQUER QUE SEJA A NATUREZA DO ILÍCITO PENAL CUJA PRÁTICA LHE TENHA SIDO ATRIBUÍDA, SEM QUE EXISTA, A ESSE RESPEITO, DECISÃO JUDICIAL CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO-CULPABILIDADE, EM NOSSO SISTEMA JURÍDICO, CONSAGRA UMA REGRA DE TRATAMENTO QUE IMPEDE O PODER PÚBLICO DE AGIR E DE SE COMPORTAR, EM RELAÇÃO AO SUSPEITO, AO INDICIADO, AO DENUNCIADO OU AO RÉU, COMO SE ESTES JÁ HOUVESSEM SIDO CONDENADOS, DEFINITIVAMENTE, POR SENTENÇA DO PODER JUDICIÁRIO. Precedentes.” (HC 89.501, Rel. Min. Celso de Melo, julgamento em 12-12-06, DJ de 16-3-07)
De acordo com o Prof. CARLOS ARI SUNDFELD, “ninguém será considerado culpado de infração às normas administrativas até decisão definitiva em contrário. Tal princípio, similar ao vigente na esfera penal (CF, art. 5°, LVII), deixa raízes profundas na idéia de Estado de Direito, envolvido que está com a proteção do indivíduo contra o exercício arbitrário do poder. Se é certa a inadmissibilidade de punição sem defesa, inegável a proibição de considerar culpado quem ainda não se defendeu integralmente, no procedimento próprio. São inconstitucionais, destarte, todos os atos administrativos interditando o exercício de direitos a quem esteja sofrendo apuração da eventual infringência à lei, salvo em se tratando de interdição por medida cautelar, nos casos em que admitida".
Do mesmo modo, importante transcrever o ensinamento do Prof. DANIEL FERREIRA, segundo o qual, “em respeito ao modelo adotado pela nossa Carta Política em vigor, é de sempre se prestigiar a presunção de inocência, até prova robusta em contrário – ou seja, aquela capaz de sobrepujar o silêncio ou a negativa de autoria como frita pelo próprio acusado. Portanto, sendo prova e contraprova de mesma ordem, há de prevalecer a que melhor atenda aos interesses do acusado”. (g/n).
Ocorre que não é isto que ocorreu no aludido presente procedimento administrativo.
O inquérito Policial n. 544 (STJ), como a própria nomenclatura já menciona, trata de uma fase preliminar, destinada a angariar elementos para eventual ação penal, onde, aí sim, serão efetivamente provados fatos, à luz do contraditório e da ampla defesa.
Logo, os elementos constantes de tal inquérito NÃO PODEM JAMAIS SERVIR DE BASE PARA A APLICAÇÃO DE PENALIDADES NA VIA ADMINISTRATIVA, EM SUMA, NÃO PODEM SER AUTOMATICAMENTE TRANSFERIDOS PARA O PROCESSO ADMINISTRATIVO.
Do mesmo modo, fundamental destacar que a maioria dos acórdãos do Tribunal de Contas da União, mencionados no referido Parecer, foram produzidos sem a garantia do contraditório e da ampla defesa, razão pela qual também não podem ser utilizados como “prova emprestada”, ao contrário do que considerou o Ministério da Integração Nacional.
Portanto, PARA QUE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA pudesse APLICAR EVENTUAIS SANÇÕES PREVISTAS NA LEI N. 8666/93, ela deveria efetivamente ter PROVADO a suposta ilicitude, dado que não foi realizado, havendo, portanto, flagrante violação a direito líquido e certo.
A EXISTÊNCIA DE INQUÉRITO CRIMINAL EM CURSO PERANTE O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NÃO PODE SER ADOTADO COMO PROVA DE EVENTUAL ILICITUDE.
São, se muito, meros indícios, os quais demandariam necessariamente a transformação em verdadeiros elementos de prova pela Administração, observados os princípios do contraditório e da ampla defesa, para aplicação de penalidade administrativa, principalmente considerando a gravidade da sanção aplicada à Impetrante.
Reconhecendo esta garantia inarredável, disserta o Professor MARÇAL JUSTEN FILHO.
“Não se admitirão punições fundadas em meros indícios do evento ilícito imputado. Os indícios prestam-se apenas para eventual prova de circunstância acessória – nos termos do art. 158 c/c/ o art. 239 do CPP – depois de cabalmente comprovado, por meios instrutórios diretos, o fato principal. Idêntica orientação se aplica aos processos sancionatórios administrativos. Para utilizar uma expressão clássica (e objeto de inúmeras críticas) prevalece no âmbito dos processos repressivos o princípio da verdade real, o que significa orientar-se a atividade persecutória a revelar a verdade dos fatos.”
O direito à prova, no processo administrativo corresponde à garantia originária do próprio direito de defesa.
Ademais, cumpre sublinhar que não comporta acolhimento o entendimento de que a decisão plenária do Tribunal de Contas da União não se confunde com os fatos travados no processo administrativo no Ministério da Integração Nacional, por serem âmbitos de competência diversos.
Realmente, a sanção de inidoneidade conferida a tais órgãos tratam de âmbitos de competência diversos e não é isso que a Impetrante discute.
Apesar desta distinção, os fatos abordados em ambos os procedimentos administrativos são os mesmos, sendo que a Corte de Contas NÃO DECLAROU A INIDONEIDADE DA IMPETRANTE, TENDO EM VISTA QUE NÃO EXISTEM PROVAS ACERCA DE QUALQUER ILICITUDE, MAS SIM MEROS INDÍCIOS EXTRAÍDOS DO INQUÉRITO N. 544/BA, conforme V. Acórdão de n. 1287/2001, processo 015.473/2007-2.
O Egrégio Tribunal de Contas, no mencionado acórdão, de Relatoria do Ilustre Ministro Aroldo Cedraz, CONSIDEROU IMPERIOSA A NECESSIDADE DE APROFUNDAMENTO DAS INVESTIGAÇÕES, para que eventualmente fosse aplicada, a declaração de inidoneidade, considerando tratar-se de sanção de gravíssimas conseqüências.
Isso demonstra mais uma vez a completa ausência de elementos concretos para a aplicação da penalidade. Além disto, evidencia a necessidade de se aguardar a conclusão da investigação criminal para que eventualmente provas concretas sejam de lá extraídas e possam fundamentar possível aplicação de sanções.
Assim, diante de todo o exposto, imprescindível destacar a FLAGRANTE A NULIDADE da r. decisão impugnada.
IV.B.2. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA PENA DE INIDONEIDADE
Com efeito, o artigo 88 da Lei Geral de Licitações possibilita à Administração Pública a imposição de sanção, dentre outras hipóteses, em decorrência do cometimento de ato ilícito, no entanto, não confere a faculdade de determinar o que é ato ilícito. Assim, observa-se nitidamente a violação ao comando normativo, bem como a violação aos princípios constitucionais aplicáveis ao caso em comento.
Em verdade, ao regime jurídico das sanções administrativas devem ser aplicados os princípios da legalidade, da anterioridade, da tipicidade (especificação), da culpabilidade, da proporcionalidade, do devido processo legal e da motivação, os quais são comuns ao direito penal, dado que ambos os ramos jurídicos têm o núcleo comum, formados por princípios que derivam diretamente do Estado de Direito.
Sobre o princípio da especificação, cumpre asseverar que “a ilicitude constitui um conceito normativo: somente a norma jurídica é que vai apartar o lícito do ilícito; são noções de implicação recíproca". Portanto, a lei deve especificar a conduta sobre a qual determinada sanção incidirá.
Logo, resta claro que a autoridade administrativa não tem a faculdade de determinar o que é ilícito e de sopesar qual a penalidade a ser aplicada em relação a conduta também não prevista.
Do mesmo modo, a Lei 8.666/93 não poderia tão somente listar uma série de penalidades (advertência, multa, suspensão de contração e declaração de inidoneidade) sem ter especificado, com todo o rigor e nos devidos contornos, os atos ilícitos sujeitos a cada uma destas penalidades.
Neste sentido, socorremo-nos novamente das precisas lições do Professor MARÇAL JUSTEN FILHO.
“A Lei n. 8.666 previu as sanções aplicáveis aos contratos que infringissem deveres legais ou contratuais. (...) Até se pode determinar o conceito de 'inadimplemento' ou ' violação a deveres contratuais', mas não é viável discriminar os casos de cabimento de cada espécies de sanção.”
Justamente esta imprecisão – absolutamente divorciada do Estado de Direito e do princípio da conformidade com as normas jurídicas, vigente para a Administração – é que torna inconstitucional a penalidade aplicada no presente caso.
Conclui este renomado Professor:
“Ora, afigura-se inconstitucional e incompatível com a ordem jurídica brasileira argumentar que a autoridade administrativa disporia de faculdade discricionária de escolher, no caso concreto, a sanção cabível. Essa solução infringe o sistema constitucional. Seria possível apontar um longo elenco de disposições constitucionais infringidas. Porém, bastam os incs. XXXIX e XLVI do art. 5° da Constituição. Definir infrações e regular a individualização da sanção significa determinar com certa precisão os pressupostos de cada sanção cominada em lei.
O tema desperta especial atenção no âmbito da Lei 8.666, que contemplou um elenco de sanções, mas não definiu, de modo razoavelmente preciso, as hipóteses de sua aplicação TENHO DEFENDIDO A TESE DA INFRAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, sob o fundamento de que não é compatível com a Constituição remeter a discricionariedade administrativa a eleição das infrações e a determinação das hipóteses de incidência de aplicação de punições”
Portanto, repise-se que é absolutamente divorciado dos dispositivos constitucionais e legais o entendimento de que compete à Administração Pública definir o que é ilegalidade no caso concreto, para então aplicar a sanção que julga ser correspondente, sem qualquer nexo em tipificação previamente cominada em lei. Deste modo, VIOLA O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E O PRINCÍPIO DA ESPECIFICAÇÃO (DA CONDUTA).
A declaração de inidoneidade somente seria possível com o comprovado cometimento de algum ilícito ou infração administrativa – o que não se pode fazer, uma vez que não houve comprovação de nenhuma ilegalidade ou ocorrência de qualquer infração.
Quanto ao artigo 87 da Lei 8666/93, resta evidente a sua inaplicabilidade ao caso em comento tendo em vista que a Impetrante não tem contrato firmado com o Ministério da Integração Nacional, mas apenas processo licitatório em trâmite.
Sabe-se que a “cabeça” do artigo determina a exata incidência da norma, portanto, como este dispositivo versa sobre a inexecução total ou parcial do contrato firmado com a Administração e não havendo contrato firmado entre o Ministério e a Impetrante. não há que se falar na aplicação deste.
Com relação ao artigo 88 da Lei 8.666/1993, também se observa a mesma constatação: NÃO ESTÃO PRESENTES OS REQUISITOS PARA SUA APLICAÇÃO.
Não há que se falar na ocorrência de condenação definitiva por pratica de fraude fiscal no recolhimento de quaisquer tributos. Isto é evidente e, reitere-se, sua obviedade decorre da interpretação do inciso I do artigo 88 da Lei de Licitações.
Não há também a ocorrência – e, o que é pior, sequer a indicação objetiva no ato decisório – da prática de atos ilícitos visando frustrar os objetivos da licitação relacionados à concorrência promovida pelo Ministério da Integração Nacional. Os indícios que instruem o inquérito policial em trâmite perante o Superior Tribunal de Justiça não se direcionam ao Ministério da Integração e, sem confirmação da veracidade de tais fatos, não autorizam qualquer afirmativa no sentido de que a Impetrante tenha frustrado efetivamente os objetivos de licitação.
Para que tais indícios se afigurem como ilícitos, que somente assim ensejariam efetivamente a declaração de inidoneidade, deve haver condenação penal definitiva ou os fatos deveriam ter sido efetivamente provados ao longo do processo administrativo, o que não foi realizado. Não é com “indício” (não submetido ao crivo do contraditório e da ampla defesa) que se COMPROVA O COMETIMENTO DO ILÍCITO, sobretudo para os fins do inciso II do artigo 88 da Lei Geral de Licitações.
O inciso III do artigo 88 da Lei 8666/93 dispõe que a declaração de inidoneidade poderá ser declarada à empresa que demonstre não possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados. A própria reflexividade da norma já impede a sua aplicação.
Novamente, nos deparamos com a hipótese segundo a qual a inidoneidade será comprovada em virtude do cometimento de ilícitos. Ora, não houve cometimento de ilícito. Somente se verifica o ilícito quando há a respectiva condenação. Se assim não fosse entendido, não haveria que se falar em princípio da presunção de inocência, princípio do contraditório e ampla defesa, etc.
De mais a mais, é sabido que diversos foram os casos de empresas sérias e idôneas que foram execradas publicamente em decorrência de indícios de ilicitudes e, ao final, restou demonstrada a legalidade e a regularidade de seus atos, com efeitos danosos irreversíveis para essas companhias, seus trabalhadores e fornecedores.
Portanto, absolutamente descabido o reconhecimento de inidoneidade desta Impetrante, baseado apenas em indícios colhidos de inquérito policial e irregularidades colhidas de processos nos quais não se exerceu o contraditório, e não no efetivo cometimento de ilícito.
Nesse aspecto, fundamental destacar os ensinamentos de EDUARDO ROCHA DIAS que:
“Observe-se que os únicos pressupostos de sancionamento descritos com suficiente densidade semântica de forma a assegurar menor possibilidade de dúvidas são os referidos no artigo 86 (atraso injustificado na execução do contrato) e no artigo 88, inciso I, da lei 8.666/93 (condenação definitiva por prática dolosa de fraude fiscal no recolhimento de quaisquer tributos)”.
Em seguida, mencionado autor coloca duas soluções possíveis para tal constatação: propõe que o fato do legislador não ter preenchido suficientemente como exigem os princípios da legalidade e da tipicidade, torna juridicamente inválido o sancionamento; ou será válido se no edital a Administração preencher a vacuidade das expressões da lei, respeitando os limites fixados pela Lei de Licitações, pela Constituição Federal, bem como por todo ordenamento jurídico.
Logo, não há que se falar no reconhecimento de inidoneidade da Impetrante, devendo a r. decisão impugnada ser anulada de plano, vez que flagrante a violação a direito líquido e certo.
IV.B.3. DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Como exaustivamente narrado, sabido é que o artigo 87 da Lei 8.666/93 anota a possibilidade de aplicação de 04 (quatro) tipos de sanções administrativas ao Contratado, quais sejam, (i) advertência, (ii) multa, (iii) suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração e (iv) declaração de inidoneidade para o mesmo fim.
Contudo, embora não tenha o legislador delimitado a esfera de incidência de cada uma destas modalidades, certo é que não está a eleição aberta ao bel prazer da Administração.
Neste âmbito se observa, e não por acaso, uma clara gradação dentre as taxativas modalidades, figurando a declaração de inidoneidade como a mais severa das sanções.
Todo ato discricionário há que obedecer aos limites impostos pelos artigos 37 caput da Constituição Federal e 2° da Lei 9.784/99, em especial ao princípio da proporcionalidade.
O princípio da proporcionalidade impõe ao ente estatal moderação no seu agir, mormente em situações em que a esfera do particular seja atingida. Desta feita, apresentam-se como corolários da proibição ao excesso, a adequação, a necessidade e a finalidade.
Com vistas a tal princípio e em que pese as determinações legais e constitucionais, torna clara a flagrante desproporcionalidade entre a penalidade aplicada pelo Ministério da Integração Nacional e os fatos apontados por este a lhe subsidiar.
A primeira, pois, no presente caso, como já deflagrado acima, não há qualquer nota conclusiva pela prática de crime ou ato ilícito destacados nas alegações aferidas contra a Impetrante.
Ora, viola a proporcionalidade a aplicação das penas severas sem qualquer mensuração mais apurada da efetiva conduta praticada pela Impetrante e, tampouco do grau de reprovação da mesma – caso assim tenham se configurado - a justificar a imposição de tal ou qual penalidade.
O próprio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no voto-vista do Min. FRANCIULLI NETTO reconheceu esta necessidade, ao destacar:
“Não é lícito ao poder público, diante da imprecisão da lei, aplicar os incisos do artigo 87 sem qualquer critério. Como se pode observar da leitura do dispositivo, há uma gradação entre as sanções. Embora não esteja o administrador submetido ao princípio da pena específica, vigora no Direito Administrativo o princípio da proporcionalidade.
Não se questiona, pois a responsabilidade civil da empresa pelos danos, mas apenas a necessidade de imposição da mais grave sanção a conduta que, embora tenha causado grave prejuízo, não é o mais grave comportamento”.
Repita-se que apesar da lacuna legislativa no tocante à dosimetria quando da aplicação de penalidade (Lei n° 8.666/93), não se pode afirmar que a adoção da proporcionalidade, como um dos princípios basilares do Estado de Direito, seja dispensável no tocante aos comportamentos destacados nos artigo 87 e 88 da citada Lei.
Assim sendo, ainda que se pretenda encartar a conduta da Impetrante sob o regramento das sanções administrativas, o que se admite apenas a título de reflexão, considerada a ausência de condenação ou ainda a conclusão quanto à prática de ato ilegal, não merece prosperar a penalidade aplicada pelo Impetrado, em razão da ausência de indicação de parâmetros proporcionais e compatíveis em intensidade e extensão ao cumprimento dos objetivos legais.
Ressalte-se que há de se adotar medida que represente menor sacrifício do particular que, in casu, sequer tem contra si quaisquer conclusões acerca dos indícios levantados em sede de inquérito policial.
Como se não bastasse, tal penalidade não atinge apenas a Empresa Requerida.
Neste diapasão, é de se considerar que a declaração de inidoneidade poderá importar na rescisão de todos os contratos firmados na esfera federal.
Ora, a paralisação das obras já em andamento e abertura de novo certame para eleição de empresa contratada atende ao interesse público? Evidentemente que não.
A penalidade de declaração de inidoneidade ao contrário do que pretende fazer crer o Requerente VIOLA NITIDAMENTE O INTERESSE PÚBLICO.
Esta violação deriva fundamentalmente de duas razões centrais.
A primeira delas corresponde ao evidente prejuízo de serem firmados novos certames licitatórios, contrariando a necessidade de preservação dos atos administrativos, mormente levando-se em conta que foram celebrados dentro da mais absoluta legalidade. Ressalte-se: inexiste qualquer prova concreta acerca da suposta ilicitude.
A outra razão reside justamente na importância de serem prestados os serviços e as obras públicas contratados.
Ora, a maioria dos serviços em comento versa sobre atividades essenciais, tais como a manutenção de estradas, obras de saneamento básico, que não podem ser preteridas, ao fundamento de que está se objetivando preservar o interesse público.
Muito pelo contrário. O interesse público está sendo notadamente violado com esta postura do Requerente, tendo em vista a inobservância à garantia constitucional da continuidade da prestação dos serviços públicos, consagrada no artigo 175 da Constituição Federal.
Todas essas garantias constitucionais não podem ser mitigadas diante de meros indícios, amparados por notícias na imprensa e por investigações em Inquérito Policial, que até hoje nada provaram.
Pelo exposto, encontra-se demonstrada mais uma violação ao direito líquido e certo da Impetrante, bem como da própria sociedade, razão pela qual urge seja reformada a r. decisão impugnada.


Analisando, de modo aprofundado, os fatos e as razões jurídicas apontadas pela impetrante, expresso a minha convicção no sentido de que não há, a seu favor, direito líquido e certo a ser protegido.

O ato apontado como coator é do teor seguinte (fl. 249):

Re.: PROCESSO nº 59000.000717/2007-89. INTERESSADOS: UNIÃO - MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL - CONSTRUTORA GAUTAMA LTDA. ASSUNTO: Processo Administrativo, instaurado por recomendação da Controladoria-Geral da União, ex vi do Aviso nº 243/2007-CGU/PR, de 29 de maio de 2007. DECISÃO: Acolho o Relatório Final da Secretaria-Executiva. Considerando as razões de fato e fundamentos de direito aduzidos no Parecer CONJUR/MI nº 1250/2007, de 12 de julho de 2007, com fulcro no art. 88, incisos II e III, combinado com o art. 87 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, declaro a inidoneidade da empresa CONSTRUTORA GAUTAMA LTDA., inscrita no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica do Ministério da Fazenda sob o nº 00.725.347/0001-00, com sede na Alameda Santos, nº 2.224 - 9º andar - conjunto 92 (Cerqueira César), na cidade de São Paulo/SP.


A referida decisão administrativa está apoiada em parecer jurídico que desenvolve a fundamentação que transcrevo (fls. 239/246):

Trata-se de processo administrativo instaurado por ato do Secretário-Executivo do Ministério da Integração Nacional, em atendimento à determinação do Senhor Ministro de Estado, contida no Memorando GAB/MI nº 136/2007, datado de 6 de junho de 2007, com a finalidade de apurar fatos que implicariam a inidoneidade da CONSTRUTORA GAUTAMA LTDA., inscrita no CNPJ/MF sob o nº 00.725.347/0001-00, para contratar com a administração pública, nos termos dos art. 88, combinado com o art. 87, ambos da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
02. Aberto o processo, juntaram-se os seguintes documentos:
- Cópia do Aviso nº 243/2007 - CGU-PR, de 29 de maio de 2007;
- Cópia do Inquérito 544/BA, do Superior Tribunal de Justiça - STJ;
- Cópia de decisões do Tribunal de Contas da União - TCU.
03. Imputou-se à empresa a prática de atos ilícitos que visaram frustrar os objetivos da licitação e que caracterizariam sua inidoneidade para contratar com a Administração, lastreados no Inquérito 544/BA, do STJ e em uma série de decisões do TCU que concluíram por irregularidades praticadas pela empresa, chegando a imputar-lhe responsabilidades.
04. A empresa foi regularmente notificada para apresentar defesa no prazo legal de 10 dias. Em sua defesa, alegou:
- Impossibilidade de abertura do procedimento em virtude de carência de elementos fáticos comprobatórios;
- Haver reconhecido o TCU a impossibilidade da abertura do processo com fundamento no art. 81, I, da Lei nº 8.443, de 1992 e no art. 237, do Regimento Interno daquele tribunal;
- Impossibilidade de apresentação de defesa definitiva em razão da apreensão dos documentos da empresa pela Polícia Federal;
- Inconstitucionalidade e inaplicabilidade da previsão do art. 88, combinado com art. 87, da Lei nº 8.666, de 1993;
- Necessidade de condenação prévia para caracterizar os ilícitos previstos no art. 88, incisos I e II da Lei nº 8.666, de 1993;
- Impossibilidade de condenação com base apenas em indícios;
- Impossibilidade de se utilizar o inquérito como prova emprestada no processo administrativo;
- Inexistência de conclusão, no Inquérito 544/BA, acerca da veracidade dos fatos investigados;
- Existência de saldo contratual em diversas obras realizadas pela empresa e fiscalizadas pelo TCU, de sorte que eventuais sobre-preços poderão sofrer os ajustes necessários;
- Prática da empresa de preços globais sempre inferiores aos apurados pela administração e preços unitários inferiores aos preços apresentados pelos concorrentes;
- Eventuais paralisações de obras por falta de recursos públicos, não por culpa da empresa;
- Eventuais erros em medições não implicam atos ilícitos;
- Necessidade de aplicação do princípio da proporcionalidade, não sendo cabível, de plano, a aplicação da pena máxima, de decretação de inidoneidade;
- Violação do interesse público com a decretação de inidoneidade da empresa;
- Limitação dos efeitos da decisão proferida à esfera administrativa prolatora.
05. Ao fim, postula, em síntese, o arquivamento do feito em face da ausência de elementos; subsidiariamente, o sobrestamento do feito até a devolução dos documentos da empresa em posse da Polícia Federal, com posterior devolução do prazo de defesa e, no mérito, não seja decretada a inidoneidade da empresa. Havendo, contudo, condenação, que se aplique pena mais branda, observado o princípio da proporcionalidade. Quanto aos efeitos, postula que a penalidade aplicada se limite à esfera do Governo Federal.
06. O relatório da Secretaria-Executiva deste Ministério, afastando as alegações, reconhece presentes os requisitos formais, materiais e probatórios para a aplicação da penalidade prevista no art. 88, incisos II e III, c/c art. 87, da Lei nº 8.666, de 1993.
07. Vieram os autos para parecer jurídico. Eis o relatório.
II
08. Preliminarmente convém registrar a adequação do enquadramento jurídico, conforme bem detalhou a NOTA TÉCNICA Nº 001/2007/SARJ/GAB/ME, de 21 de junho de 2007. Isto é, a Lei nº 8.666, de 1993, além de estabelecer em seu art. 87. as sanções aplicáveis pela Administração ao contratado por inexecução do ajuste, vem no art. 88 relacionar hipóteses nas quais poderão ser aplicadas penalidades a profissionais ou empresas independente de contrato entre estes e a administração processante. Senão vejamos:
"Art. 88. As sanções previstas nos incisos III e IV do artigo anterior poderão também ser aplicadas às empresas ou aos profissionais que, em razão dos contratos regidos por esta Lei:
I - tenham sofrido condenação definitiva por praticarem, por meios dolosos, fraude fiscal no recolhimento de quaisquer tributos;
II - tenham praticado atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação;
III - demonstrem não possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados”.
“Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:
[...]
III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
[...]
§ 3º A sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência exclusiva de Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação”.
09. Não se defende, aqui, que o dispositivo possa ser utilizado por qualquer administrador, sem que haja qualquer vínculo entre o administrado e a administração. Assim, cabe lembrar que embora o texto legal estenda a aplicação de penalidade àquele que não é o contratado, as condutas por ele praticadas necessariamente terão de estar vinculadas a um contrato administrativo, quer anterior, contemporâneo ou posterior (Marçal Justen Filho, Comentários à lei de licitações, Dialética, 2005, p. 625, item 2). Além disso, há que se vislumbrar um mínimo de relação entre a administração processante e o administrado processado, o que, no caso em apreço, se verifica com clareza na pretensão da Construtora Gautama Ltda., postular contrato com este Ministério da Integração Nacional ao participar da licitação aberta pelo Edital MI 02/2007.
10. Desta feita, as diversas irregularidades já listadas na Nota Técnica, no Relatório Secretaria-Executiva bem assim nos documentos que instruem os presentes autos, uma vez praticadas no âmbito de contratos administrativos justificam a providência adotada.
11. Por sua vez, o procedimento administrativo obedece rigorosamente às exigências legais, tanto no que diz respeito à competência das autoridades envolvidas, o procedimento adotado, bem como o respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
12. Partindo do pressuposto de que aquele que pretende contratar com a Administração Pública deve gozar de presunção de idoneidade e do fato de que "os antecedentes da empresa [...] são de ordem a lançar-lhe uma presunção de inidoneidade, a exigir repúdio da Administração com o fim de prevenir novos atentados contra o interesse público por parte de quem já contra ele atentou no passado” (Jessé Torres Pereira Júnior, Comentários à lei das licitações, Renovar, 2003, p. 831), encontra-se perfeitamente justificado o presente processo administrativo.
III
13. Feitas estas observações gerais, mostra-se necessário enfrentar os obstáculos à aplicação da penalidade de apresentados na defesa da Construtora Gautama Ltda.
14. A empresa sustenta, de início, impossibilidade de abertura do procedimento em virtude de carência de elementos fáticos comprobatórios. Não obstante, tanto em termos quantitativos quanto em termos qualitativos, há elementos bastantes, colhidos junto ao Inquérito 544/BA, no STJ, quanto em diversas decisões do TCU, que justificam tanto a abertura do processo administrativo quanto seu processamento.
15. O argumento de ter o TCU reconhecido à impossibilidade da abertura de processo, naquele tribunal, com a mesma finalidade deste processo, não invalida nem prejudica o presente feito.
16. Deveras, a decisão plenária do Tribunal de Contas, consignada no Acórdão 1287/2007, relatado pelo E. Ministro Aroldo Cedraz, que não deu seguimento à representação formulada pelo Procurador-Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, Dr. Lucas Rocha Furtado, com fundamento no art. 81, I, da Lei nº 8.443/92 e no art. 237, do Regimento Interno daquele tribunal, não possui razões que possam ser estendidas ao presente processo administrativo, pois a aplicação da penalidade em questão está a depender, naquela Casa de Contas, de fundamento distinto daquele que orienta o feito em curso.
17. Enquanto ao processo administrativo em curso neste Ministério aplicam-se as regras da Lei nº 8.666, de 1993, aquele Tribunal se orienta pela Lei nº 8.443/92. No caso em apreço, em especial, pelo art. 46, desta lei. Leia-se:
“Art. 46. Verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, o Tribunal declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal”.
18. A toda evidência, os pressupostos dos processos são distintos e, logicamente, distintas as conseqüências.
19. Vale, ainda, a leitura do sumário daquela decisão:
“REPRESENTAÇÃO OBJETIVANDO A DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE DA FIRMA GAUTAMA LTDA. CONHECIMENTO. NECESSIDADE DE APROFUNDAMENTO DAS INVESTIGAÇÕES.
1. A declaração de inidoneidade prevista no art. 46 da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992 exige a comprovação de fraude à licitação em situação especificamente descrita.
2. O poder outorgado pelo legislador ao TCU, de declarar, verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, a inidoneidade do licitante fraudador para participar de licitação na Administração Pública Federal, não se confunde com as sanções e cláusulas penais constantes da Lei das Licitações, que são de aplicação restrita pelas autoridades expressamente nela indicadas e de aplicação mais abrangente.
(TCU, Plenário, Relator Aroldo Cedraz, Dou 29/06/2007)
20. E especificamente acerca da distinção entre o permissivo da Lei nº 8.666, de 1993 e da nº 8.443, de 1992, destaca-se o seguinte trecho da decisão:
“26. De fato, consoante aceito pela boa doutrina e jurisprudência, a declaração de inidoneidade de empresas decorrente de atos praticados após o certame licitatório seriam de competência exclusiva da Administração, em consonância com o disposto nos arts. 86 e 87 da Lei n° 8.666/93. Nesse sentido é a lição de Alexis Sales de Paula Souza (in Extensão da Declaração de Inidoneidade, Revista de Direito e Administração Pública n° 81, mar./05, p. 18).
“... Mesmo na hipótese de se acreditar que o artigo 46 da Lei n° 8.443, de 16 de julho de 1992 não tenha sido derrogado pela Lei n° 8.666/93, deve-se entendê-lo como de aplicação restrita ao TCU, em sua atuação fiscalizadora, e nunca como paradigma hermenêutico da declaração de inidoneidade nos moldes hoje postos no inciso IV do art. 87 da Lei n° 8.666/93. A uma, porque trata apenas de fraudes praticadas nos processos licitatórios, sem se preocupar com os ilícitos que possam ocorrer durante a execução do contrato, ou mesmo da contratação com dispensa e inexigibilidade. A duas, porque estabelece o prazo da sanção, no caso por até 5 anos, enquanto a Lei n° 8.666/93 determina que a sanção durará até que seja promovida a reabilitação junto a Administração. Como se percebe, a norma é outra e o espírito da lei é outro”.
21. Não há pois carência de elementos que justifiquem o procedimento fundado nos arts. 87 e 88 da Lei nº 8.666/93.
IV
22. Em outra linha, aduz a empresa indiciada a impossibilidade de apresentação de defesa definitiva em razão da apreensão dos documentos da empresa pela Polícia Federal, fato que feriria o direito a defesa ampla.
23. Há que se ressaltar que este Ministério, por sua autoridade processante, julgou ter conhecimento suficiente da instrução do inquérito que envolve a empresa, diga-se de passagem, tornado público pela Ministra Eliana Calmon, sob cuja guarda se encontra o Inquérito 544/BA.
24. De outro giro, a empresa não comprovou ter postulado à Polícia Federal, ao Poder Judiciário ou a mesmo a este Ministério vista dos documentos aos quais alega não ter acesso.
25. Em verdade, a empresa, que conhece tanto os documentos quanto seu teor, eis que estão na alçada de sua propriedade, sequer indicou à autoridade processante quais daqueles seriam necessários para comprovar sua inocência, sua idoneidade.
26. Por tais razões, não se pode imputar a este Ministério cerceamento de defesa, na medida em que não apreendeu documento algum, nem se negou a apresentá-los, nem se furtou a atender qualquer requerimento da empresa indiciada.
27. Sobremais, poderia a empresa ter manejado as medidas judiciais cabíveis para obter os documentos que lhes são caros. Não o fez.
28. A alegação, dessa forma, mostra-se meramente protelatória e não pode obstar o prosseguimento do processo nem interferir em sua sorte.
29. A defesa se apóia, também, nas supostas inconstitucionalidade e inaplicabilidade da previsão do art. 88, combinado com art. 87, da Lei nº 8.666, de 1993.
30. Uma breve incursão no constitucionalismo brasileiro demonstra que os controles de constitucionalidade existentes em nosso país estão a cargo do Poder Legislativo e do Presidente da República, no curso do processo legislativo, e a cargo do Poder Judiciário, após a publicação das leis.
31. E assim como não é dado à Administração pública decretar inconstitucionalidade de leis, não lhe é dado negar validade a elas. Na já clássica afirmativa de Seabra Fagundes “administrar é aplicar a lei de ofício”, não deixar de aplicá-la.
32. Nesse passo, a discricionariedade presente na norma não a macula e poderá ser exercitada, desde que não se sobeje os termos da lei, no momento final de apreciação exclusiva do Ministro de Estado acerca da gravidade dos ilícitos praticados e da inidoneidade daí decorrentes.
33. Bom registrar, ainda sob o pálio da discricionariedade, que se a lei prevê mais de uma pena possível para os ilícitos que frustram os objetivos das licitações e que comprometam a idoneidade do infrator, o art. 88 da Lei nº 8.666, de 1993 não estabelece qualquer progressão entre as penalidades, de tal sorte que, em juízo livre e motivado, a autoridade competente poderá aplicar qualquer das penas, sendo certo que nos presentes autos existem elementos para a aplicação da penalidade mais grave.
VI
34. A defesa sustenta, ademais, haver necessidade de condenação prévia para caracterizar os ilícitos previstos no art. 88, incisos I e II da Lei 8.666/93.
35. A toda evidência, a lei não exige condenação prévia e nem mesmo condenação em crime. Refere-se a “ilícitos”, categoria geral em que se encontram ilícitos penais, administrativos, tributários, cíveis, etc.
36. Nesse sentido, bem consignou a Nota Técnica nº 001/2007/SARJ/GAB/MI, que instrui os presentes autos:
“Devemos lembrar, por fim, que o ilícito que se refere a lei não é só o ilícito penal, mas as condutas absolutamente incompatíveis com a condição de licitante ou de contratado com a Administração Pública, sendo consideradas as condutas que produzem a extinção de confiabilidade do sujeito, eliminando a presunção de que disporá ele de condições de executar satisfatoriamente o contrato e que é inidôneo aquele que não preenche certas condições ou requisitos que é impróprio, inadequado ou contra-indicado, para que possa cumprir certo objetivo ou resultado esperado”.
37. Dessa maneira, o processo em tela encontra, também nesse ponto, a solidez necessária para ser levado em julgamento, mesmo que se considerasse o Inquérito 544/BA prova imprestável em sede de procedimento administrativo.
38. Ressalte-se, ainda, que a possibilidade da utilização do referido inquérito no presente feito já se tinha por certa deste a Nota Técnica n° 001/2007/SARJ/GAB/MI, a que novamente se faz referência e onde se transcreveu a seguinte citação.
“PROVA EMPRESTADA. Penal. Interceptação telefônica. Escuta ambiental. Autorização judicial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita de delitos cometidos por autoridades e agentes públicos. Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento administrativo disciplinar, contra os mesmos servidores. Admissibilidade. Resposta afirmativa a questão de ordem. Inteligência do art. 5º, inc. XII, da CF, e do art. 1º da Lei federal n° 9.296/96. Voto vencido. Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos”. (Questão de Ordem em Inquérito 2.424, Site Consultor Jurídico)
39. Por oportuno, podemos afirmar que toda a documentação carreada aos autos, seja oriunda de inquérito policial, seja de processos do Tribunal de Contas da União, e que demonstra a prática de ilícitos, pode ser utilizada no julgamento a ser proferido pelo Exmo. Senhor Ministro da Integração Nacional.
VII
40. Igualmente não afeta a sorte do procedimento em apreço a inexistência de conclusão, no Inquérito 544/BA, acerca da veracidade dos fatos investigados.
41. O inquérito, por sua natureza, não apresenta tais conclusões. A verdade dos fatos nele descritos apenas podem ser comprovadas após o devido processo legal. A verdade penal, pois, é apurada no processo penal e a verdade administrativa no processo administrativo, como se procede no caso em apreço.
42. Demais disso, a alegação não comprova nem a idoneidade da empresa nem a inexistência da prática de ilícitos. Dessa maneira, não se vê afastada a legitimidade do processo administrativo.
VIII
43. Quanto às ilicitudes apontadas pelas decisões do Tribunal de Contas da União, sustenta a defesa: 1) a existência de saldo contratual em diversas obras realizadas pela empresa e fiscalizadas pelo TCU, de sorte que eventuais sobre-preços poderão sofrer os ajustes necessários; 2) a empresa praticou preços globais sempre inferiores aos apurados pela administração e preços unitários inferiores aos preços apresentados pelos concorrentes; e 3) eventuais erros em medições não implicam atos ilícitos.
44. Tais alegações não têm o condão de afastar a responsabilidade da empresa pela prática de ilícitos comprovados pelo Tribunal de Contas e, quando muito, poderiam culminar com a apuração de inexistência de prejuízo financeiro ao erário, questão que não é necessariamente relevante para os fins do disposto no art. 88, da Lei nº 8.666/93, combinado com o art. 87 da mesma lei.
45. No que toca especialmente a preços e a erros de medição, há que se lembrar que à empresa são imputados atos ilícitos que frustram os objetivos da licitação (ampla concorrência e busca pela melhor proposta), atos estes que trazem em sua essência a capacidade de mascarar justamente o conluio, o tráfico de influência, a corrupção para dar a aparência de legalidade nas condutas ilícitas praticadas, ou o caráter de erro, em atitudes intencionais.
46. Há pois, de se afastar todos os óbices apontados pela defesa ao julgamento filiado presente processo administrativo.
IX
47. Em conclusão, presentes os requisitos formais, materiais e probatórios para a aplicação da penalidade de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública, prevista no art. 88, incisos II e III, combinado com o art. 87, da Lei nº 8.666, de 1993, conforme relatório da Secretaria-Executiva, requisitos estes não afastados pelos argumentos constantes na defesa da Construtora Gautama Ltda., proponho o encaminhamento dos autos ao Exmo. Senhor Ministro de Estado da Integração Nacional para julgamento e aplicação da penalidade prevista na lei, para que possa surtir os efeitos nela previstos.


Para se afastar o entendimento da autoridade administrativa há de se firmar juízo de valor sobre os fatos que envolvem a empresa, considerando-se, desde logo, como lícitos.

Não se pode olvidar, que a sanção administrativa de inidoneidade administrativa pode ser aplicada, como medida guardião da moralidade nos negócios jurídicos bilaterais a serem celebrados com o Poder Público, quando, a juízo da Administração, haja convencimento de que, em contratos regidos pela Lei n. 8.666, de 1993, empresas ou profissionais tenham praticado atos ilícitos visando frustrar os objetivos de licitação e/ou demonstrem não possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados, bem como, não tenham executado total ou parcialmente contratos antes firmado. É o que se deduz dos arts. 87, III, IV e 88, II e III, da Lei 8.666, de 1993.

Esse juízo formado pela Administração só será invalidado se existir decisão judicial transitado em julgado em sentido contrário, ao analisar caso a caso. Inexistindo esse fator a afastar a validade e eficácia do entendimento da Administração, não há direito líquido e certo a ser protegido quando a inidoneidade para participar de licitação e contratar é decretada.

Na linha do pensar acima exposto está o parecer do Ministério Público Federal, assinado pelo Subprocurador-Geral José Flaubert Machado Araújo, conforme fls. 5.128/5.131:

Inicialmente, entendo que não há falar em distribuição, por dependência, do presente mandamus à Ministra Relatora do Inquérito 544/BA, face à independência entre as esferas administrativa e penal.
Registro, ainda, que a análise judicial da aplicação da pena imposta à Impetrante, declaração de inidoneidade para licitar e contratar com a Administração, restringe-se aos aspectos formais, mas não adentra ao chamado mérito administrativo.
Entendo que o Processo Administrativo, que culminou com a aplicação da pena de declaração de inidoneidade para licitar e contratar com a Administração Pública à Impetrante, atendeu às exigências constitucionais e legais, tendo propiciado à Impetrante o exercício de seu direito ao contraditório e à ampla defesa, não havendo falar, portanto, em ausência do devido processo legal.
A argumentação de impossibilidade de acesso à documentação apreendida nos autos do Inquérito 544/BA, por si só, não caracteriza o cerceamento de defesa alegado. A Impetrante foi notificada de todos os atos processuais e teve oportunidade de apresentar defesa escrita, fls. 125/197, e em nenhum momento solicitou cópia da referida documentação ou indicou à autoridade processante quais documentos seriam necessários para a sua defesa, observação, aliás, devidamente apontada no Parecer CONJUR/MI 1250/2007, fls. 239/246, e nas informações prestadas pela Autoridade apontada coatora, fl. 5.100.
Inexiste, por outro lado, previsão legal de remessa necessária dos autos administrativos ao Presidente da República, para funcionar como terceira instância hierárquica recursal, o que afasta a alegação de cerceamento de defesa.
Nesse sentido, correto entendimento desse Colendo Superior Tribunal de Justiça:
“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO DE EXPLORAÇÃO DE JAZIDA MINERAL. ÁREA DISPONÍVEL. LICITAÇÃO. RECURSO ADMINISTRATIVO HIERÁRQUICO AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. IMPROPRIEDADE.
1. Em se tratando de recurso administrativo interposto em sede de procedimento licitatório, a sistemática a ser observada é a da Lei n. 8.666/93, presente a ressalva inserida na parte final do art. 57 da Lei n. 9.784/99.
2. Hipótese em que não há se cogitar de uma terceira instância administrativa para fins de reexame da decisão impugnada.
3. Segurança denegada.” (MS 10502/DF – Primeira Seção – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJ 28.05.2007 p. 271) (grifo nosso).
Não há falar, ainda, em inconstitucionalidade ou desproporcionalidade da pena aplicada, tendo em vista que as condutas ilícitas imputadas à Impetrante, devidamente detalhadas no Parecer CONJUR/MI 1250/2007, fls. 239/246, restaram comprovadas nos autos, o que autoriza a aplicação dos artigos 87, IV e 88, II e III, da Lei 8.666/1993:
“Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:
...
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
...
§3° A sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação.

Art. 88. As sanções previstas nos incisos III e IV do artigo anterior poderão também ser aplicadas às empresas ou aos profissionais que, em razão dos contratos regidos por esta Lei:
...
II - tenham praticado atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação;
III - demonstrem não possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados.” (grifo nosso).
Diante do exposto, opino pela denegação da segurança.


Não posso deixar de declarar como influente para a formação do convencimento que estou a demonstrar, as razões apresentadas pela autoridade apontada como coatora.

Ei-las (fls. 5.098/5.118):

7. Preliminarmente cumpre observar que o processo administrativo foi instaurado no âmbito do ministério por meio de despacho do Secretário-Executivo acatando determinação do signatário, conforme exposto no Memorando GAB/MI nº 136/2007, de 6 de junho de 2007.
8. Integraram a instrução documentos suficientes para o regular procedimento e a percuciente apuração dos fatos, tais como a NOTA TÉCNICA nº 00l/2007/SARJ/GAB/MI, de 21 de junho de 2007, da lavra do Assessor Especial do Ministro, o Inquérito nº 544, do Superior Tribunal de Justiça, além de manifestação da Controladoria-Geral da União e decisões proferidas pelo Tribunal de Contas da União.
9. A impetrante foi regularmente notificada para apresentar defesa lhe sendo facultada de vista dos autos (fls. 53). Na oportunidade a Construtora Gautama Ltda., exerceu seu direito à ampla defesa apresentando defesa escrita e juntando documentos aos autos do processo.
10. Às alegações da impetrante de que o procedimento administrativo deu-se de forma açodada “incompatível com a serena e criteriosa análise dos argumentos de defesa, e assim, com o próprio Estado de Direito” e que o fato de a imprensa escrita ter publicado informações sobre a decisão - o que em tese evidenciaria condenação prévia ao ato de julgamento - também foi objeto do recurso administrativo. O PARECER CONJUR/MI nº 1339/2007 ao apreciar tais argumentos registrou que:
“05. Sustenta a recorrente haver defeito no procedimento administrativo, alegando que a decisão fora tomada com açodo, antes da confecção do Relatório Final e do Parecer Jurídico que lhe dariam sustentação, “atropelando", assim, “os atos normativos internos da Administração Pública Federal". Aduz, nesse sentido, que até a imprensa escrita tomou conhecimento do ato decisório em concomitância com a publicação no Diário Oficial (f. 222-3).
06. A alegação é meramente formal. Concluir o contrário, pressupondo o desconhecimento do Ministro de Estado de todas as peculiaridades do processo, seriam, de fato, estultice e leviandade, o que certamente não se espera do recurso apresentado, em especial diante do princípio da boa-fé.
07. É certo que a autoridade competente tomou conhecimento pleno de todo o processo, antes mesmo de sua abertura e até sua conclusão, passando tanto pela manifestação da Controladoria-Geral da União, pela NOTA TÉCNICA n. 001/2007/SARJ/GAB/MI e pela defesa da empresa recebida neste Ministério em 06.07.2007, quanto do conteúdo do relatório final e do parecer jurídico. Dessa forma, não há nenhuma irregularidade que toque a essência do procedimento, aplicando-se ao caso o princípio do formalismo mitigado, ou mesmo do informalismo, que instrui os processos administrativos.
08. Sobre o tema, dissertam autoras de renome:
Quanto a este princípio, a sua aplicação é muito mais rígida no processo judicial do que no administrativo; por isso mesmo, em relação a este, costuma-se falar em princípio do informalismo.
Informalismo não significa, nesse caso, ausência deforma; o processo administrativo é formal no sentido de que deve ser reduzido a escrito e conter documentado tudo o que ocorrer no seu desenvolvimento; é informal no sentido de que não está sujeito a formas rígidas.
Às vezes, a lei impõe determinadas formalidades ou estabelece um procedimento mais rígido, prescrevendo a nulidade para o caso de sua inobservância. Isso ocorre como garantia para o particular de que as pretensões confiadas aos órgãos administrativos serão solucionadas nos termos da lei; além disso, constituem o instrumento adequado para permitir o controle administrativo pelo Poderes Legislativo e Judicial.
(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2003, p. 512).
Na realidade, o formalismo somente deve existir quando seja necessário para atender ao interesse público e proteger os direitos dos particulares. E o que está expresso no artigo 2°, incisos VIII e IX da Lei n° 9.784/99, que exige, nos processos administrativos, a “observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados” e a “adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados “. Trata-se de aplicar o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade em relação às formas.
Ainda na mesma linha do informalismo, o artigo 22 da lei estabelece que “os atos do processo administrativo não dependem de formas determinadas senão quando a lei expressamente a exigir". Inclusive o reconhecimento de firma, salvo imposição legal para casos específicos, só pode ser exigido quando houver dúvida de autenticidade (§2°); e a autenticação de documentos exigidos em cópia poderá ser feita pelo próprio órgão administrativo (§3°).
(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2003, p. 513).
Na doutrina é citado também com nome de princípio do informalismo. Porém, não aparece correta essa última expressão, porque dá a entender que não há ritos e formas no processo administrativo. Há ritos e formas inerentes a todo procedimento. Na verdade, o princípio do formalismo moderado consiste, em primeiro lugar, na previsão de ritos e formas simples, suficientes para propiciar um grau de certeza, segurança, respeito aos direitos dos sujeitos, o contraditório e a ampla defesa. Em segundo lugar, se traduz na exigência de interpretação flexível e razoável quanto a formas, para evitar que estas sejam vistas como fim em si mesmas, desligadas das verdadeiras finalidades do processo.
(MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 204/205).
09. Não se tratando de questão essencial, não havendo violação à disciplina legal, preservado o mérito do ato praticado e, dessa forma, preservado o interesse público, o princípio do formalismo moderado é bastante para garantir a higidez do processo em apreço.
10. Diga-se de passagem, que entre os argumentos da recorrente, encontra-se notícia da imprensa escrita. Não nos parece razoável acatar tal fundamento que se mostra estranho ao processo. Ademais, se fosse ponderado incluir notícias jornalísticas na apreciação do caso, sequer seria necessário processo para o julgamento da empresa cujo envolvimento em atos ilícitos, imorais e inidôneos foi tantas vezes noticiado na mídia.
11. Quanto ao mais, vê-se que a celeridade apontada não é incomum nem pode causar estranheza à empresa interessada que, tendo vistas do processo no dia 13.07.2007, apresentou recurso assinado no dia 15.07.2007, um domingo. Celeridade “sim, açodo não".
11. Não podem prosperar tais argumentações pelos fundamentos expostos. Em nenhum momento o processo atacado afastou-se das normas e princípios constitucionais e legais aplicáveis ao caso. Como se vê, foram atendidas as disposições da Lei nº 9.784, de 1999, bem como as regras específicas da Lei nº 8.666, de 1993.
III - OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E GARANTIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA
12. Aduz a impetrante, como vício de ordem processual, a não observância do devido processo legal. Desprovida de razões jurídicas suficientes por não ter apresentado defesa plausível, se detém a afirmar que a ampla defesa que lhe foi assegurada nos autos do processo administrativo foi “manifestamente formal, vazia de conteúdo efetivo, ao contrário do que garante a Constituição Federal” (fls. 14).
13. Constata-se, todavia, que em todo o procedimento administrativo este Ministério preocupou-se em observar tais garantias consignadas na Lei Maior. Atente-se que desde a NOTA TÉCNICA nº 001/2007/SARJ/GAB/MI, de 21 de junho de 2007, registrou-se “a necessidade de se garantir a observância do contraditório e da ampla defesa”.
14. O assunto aventado pela impetrante o fora também em sua defesa nos autos do processo administrativo e no recurso. Apreciando os argumentos, no PARECER CONJUR/MI nº 1250/2007, destaca-se:
22. Em outra linha, aduz a empresa indiciada a impossibilidade de apresentação de defesa definitiva em razão da apreensão dos documentos da empresa pela Polícia Federal, fato que feriria o direito a defesa ampla.
23. Há que se ressaltar que este Ministério, por sua autoridade processante, julgou ter conhecimento suficiente da instrução do inquérito que envolve a empresa, diga-se de passagem, tomado público pela Ministra Eliana Calmon, sob cuja guarda se encontra o Inquérito 544/BA.
24. De outro giro, a empresa não comprovou ter postulado à Polícia Federal, ao Poder Judiciário ou a mesmo a este Ministério vista dos documentos aos quais alega não ter acesso.
25. Em verdade, a empresa, que conhece tanto os documentos quanto seu teor, eis que estão na alçada de sua propriedade, sequer indicou à autoridade processante quais daqueles seriam necessários para comprovar sua inocência, sua idoneidade.
26. Por tais razões, não se pode imputar a este Ministério cerceamento de defesa, na medida em que não apreendeu documento algum, nem se negou a apresentá-los, nem se furtou a atender qualquer requerimento da empresa indiciada.
27. Sobremais, poderia a empresa ter manejado as medidas judiciais cabíveis para obter os documentos que lhes são caros. Não o fez.
28. A alegação, dessa forma, mostra-se meramente protelatória e não pode obstar o prosseguimento do processo nem interferir em sua sorte.
15. E ainda o PARECER CONJUR/MI nº1339/2007:
36. Quanto à alegação de que há impossibilidade de apresentação de plena defesa, destaca-se que à empresa foi garantida a plenitude do direito previsto no art. 5°, LV, da Lei Maior, já que lhe foi dada à oportunidade de se manifestar acerca dos fatos que lhe foram imputados.
37. Frise-se que o Estado, em nenhum momento, agiu deforma arbitrária ou abusiva, para desconsiderar a plenitude de defesa, pois a medida adotada reveste-se de legitimidade ético-jurídica e está em conformidade com o princípio do devido processo legal (art. 5°, LIV, CF).
38. Além disso, as provas que a Administração Pública dispõe já foram devidamente apreciadas e são suficientes para formar o livre convencimento, afim de que seja declarada a inidoneidade da empresa.
39. Veja-se a jurisprudência acerca de aplicação de penalidades pela Administração Pública:
“MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. OBEDIÊNCIA. ACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGOS. CONFIGURAÇÃO. ORDEM DENEGADA.
1 - Na espécie, inexiste afronta a ampla defesa e ao contraditório no âmbito de processo administrativo por acumulação ilegal de cargos, tendo em vista que o indiciado foi devidamente cientificado do feito, bem como foram apreciadas as razões da defesa por ele apresentadas.
(...)
(MS 10031/DF, Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, DJ 26.03.2007 p. 189).
“MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO DISCIPLINAR. INDICIAMENTO. AUTORIDADE COATORA. LEGITIMIDADE. EXPOSIÇÃO DOS FATOS. DECISÃO FINAL. CORRESPONDÊNCIA. VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.
(...)
II - Constatado que as condutas infracionais apontadas no indiciamento abarcam as examinadas pela autoridade que aplica a sanção disciplinar, a qual se baseou em provas constantes dos autos do processo administrativo, não há como reconhecer violação à ampla defesa e ao contraditório.
(...)
(MS 8361/DF, Rel. Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, DJ 04.06.2007 p. 295)
16. Diante da clareza dos fatos, isto é, da observância do devido processo legal e dos princípios do contraditório e da ampla defesa na condução do processo administrativo, não merecem ser acatados os ditos argumentos.
IV - IMPOSSIBILIDADE DE RECURSO AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
17. Procurando, ainda, macular o processo aponta a ilegalidade da decisão ministerial que conheceu do recurso administrativo interposto e negou-lhe provimento.
18. Na tentativa de robustecer seu argumento, a Impetrante consigna que este Ministério teria deixado de observar parecer da Advocacia-Geral da União vinculante para toda a Administração Pública. Ocorre que, como já foi objeto de análise por esta Consultoria Jurídica o assunto versado naquele parecer não se aplica ao caso dos autos.
19. Ao examinar o recurso interposto, por meio do PARECER CONJUR/MI nº 1339/2007, assinalou-se que:
62. A recorrente postula a concessão de efeito suspensivo ao recurso e reconsideração do Ministro de Estado, ou, subsidiariamente, remessa do feito ao Presidente da República. O prazo para decisão do recurso, na falta de previsão legal específica é de 30 (trinta) dias, nos termos do § 1° do art 59, da Lei n° 9.784/99, não 5 (cinco) dias, conforme sustentado na peça recursal.
63. A reconsideração não merece guarida pelas razões expostas no presente Parecer (cujo prazo para prolação é de 15 (quinze) dias, nos termos do art. 42 da Lei n° 9.784/99). Igual sorte cabe ao efeito suspensivo postulado no âmbito deste Ministério, pois a medida é excepcional e, se se pode falar em "justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação” ao interesse do particular, nos termos do art. 61, da Lei n° 9.784/99, é também considerável a incerteza da reparação da moralidade pública, na permanência dos direitos contratuais da empresa inidônea. Ademais, se já há razões para recusar a reconsideração, não pode haver razões para a concessão de efeito suspensivo.
64. Eis o termo na norma em referência:
Art. 61. Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo.
Parágrafo único. Havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de oficio ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso.
65. De outro giro, a legislação específica aplicável ao caso demonstra tratar-se de decisão proferida em única instância pelo Ministro de Estado, cabendo apenas pedido de reconsideração pela própria autoridade.
66. Dispõe a Lei n° 8.666/93:
Art. 109. Dos atos da Administração decorrentes da aplicação desta Lei cabem:
(..)
III - pedido de reconsideração, de decisão de Ministro de Estado, ou Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, na hipótese do § 4º do art. 87 desta Lei, no prazo de 10 (dez) dias úteis da intimação do ato. (entenda-se § 3°, cfe. JUSTEN FILHO, Marçal, Comentários à lei de licitações, Dialética, 2005, p. 650)
67. Inaplicável o Parecer AGU n° AM – 1/2000, por tratar de hipótese distinta, onde há previsão legal expressa do recurso à instância presidencial, posto que (concessivo) o parecer fora assinado pelo Presidente da República, a literatura jurídica e assim a jurisprudência, entendem não haver possibilidade de recurso.
68. Sustenta Marçal Justen Filho:
A Lei não se referiu ao cabimento de recurso contra a declaração de inidoneidade. Isso decorre de que, nos termos do art. 87 § 3°, a sanção é aplicada diretamente pela autoridade superior da Administração. Portanto, não comportaria recurso hierárquico.
(Comentários à lei de licitações, Dialética, 2005, p. 650).
69. A jurisprudência do STJ, baseada na previsão da Lei n° 9.784/99 de número máximo de instâncias recursais na esfera administrativa (não número mínimo) e na especificidade da Lei n° 8.666/93 aplicável ao presente caso, informa que não existe recurso à espécie:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO DE EXPLORAÇÃO DE JAZIDA MINERAL. ÁREA DISPONÍVEL. LICITAÇÃO. RECURSO ADMINISTRATIVO HIERÁRQUICO AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. IMPROPRIEDADE.
1. Em se tratando de recurso administrativo interposto em sede de procedimento licitatório, a sistemática a ser observada é a da Lei n. 8.666/93, presente a ressalva inserida na parte final do art. 57 da Lei n. 9.784/99.
2. Hipótese em que não há se cogitar de uma terceira instância administrativa para fins de reexame da decisão impugnada.
3. Segurança denegada.
(MS 10502/DF, Ministro João Otávio de Noronha, Primeira Seção, DJ 28.05.2007).
70. Posto isso, não há no ordenamento jurídico o recurso hierárquico postulado.
71. Demais disso, verifica-se que a Presidência da República já tem conhecimento da questão, tanto pela publicação do ato do Ministro de Estado da Integração Nacional quanto pela publicação da “declaração de inidoneidade” da empresa interessada no DOU de 23.07.2007, Seção 1, f. 14, pela Controladoria-Geral da União, órgão central do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal e integrante da estrutura da Presidência da República.
72. Dessa forma, pode o Presidente da República, a qualquer momento, se entender conveniente, avocar os autos do processo administrativo em epígrafe para disciplinar os efeitos da presente declaração de inidoneidade do âmbito do Poder Público Federal bem como para exercer, sem restrições, os direitos e as faculdades que a Constituição Federal concede ao dirigente máximo da Nação.
73. De toda sorte, a Constituição Federal (art. 5°, XXXIV, “a") confere a todos o direito de petição, o que facultaria ao recorrente, inclusive, a formulação de requerimento, elaborado em instrumento próprio, dirigido ao Presidente da República.
20. Há de se considerar, ainda, ainda, que seria humanamente impossível atribuir ao Chefe do Executivo Nacional a função de revisional de todas as decisões proferidas por seus Ministros de Estado. E, de qualquer sorte, como assinalado na transcrição acima a mesma penalidade aplicada por este Ministério à Impetrante também a foi pela Presidência da República dias depois.
21. Desta forma, há de se rejeitar o fundamento proposto pela Impetrante.
V - CONDUTAS ILÍCITAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS
22. Quanto ao mérito, aponta que inexistem provas concretas para a aplicação da pena. Argumenta que as informações colhidas no inquérito Policial nº 544/BA e nas decisões do TCU não servem de prova ao processo administrativo. Teria, assim, a decisão afrontado o princípio constitucional da presunção de inocência.
23. Precipitando em contradição nos seus argumentos, a Impetrante no anseio de demonstrar que os requisitos do art. 88, da Lei nº 8.666, de 1993, não ocorreram na espécie, afirma que “somente se verifica o ilícito quando há a respectiva condenação” (fls. 35), embora tenha atestado diversamente às fls. 23 reconhecendo que “a lei não aduz à condenação prévia para se impor a sanção de inidoneidade”.
24. O tópico foi abordado no PARECER CONJUR/MI nº 1250/2007, de onde se extrai:
35. A toda evidência, a lei não exige condenação prévia e nem mesmo condenação em crime. Refere-se a “ilícitos", categoria geral em que se encontram ilícitos penais, administrativos, tributários, cíveis, etc.
36. Nesse sentido, bem consignou a Nota Técnica nº 001/2007/SARJ/GAB/MI, que instrui os presentes autos:
“Devemos lembrar, por fim, que o ilícito que se refere a lei não é só o ilícito penal, mas as condutas absolutamente incompatíveis com a condição de licitante ou de contratado com a Administração Pública, sendo consideradas as condutas que produzem a extinção de confiabilidade do sujeito, eliminando a presunção de que disporá ele de condições de executar satisfatoriamente o contrato e que é inidôneo aquele que não preenche certas condições ou requisitos que é impróprio, inadequado ou contra-indicado, para que possa cumprir certo objetivo ou resultado esperado".
37. Dessa maneira, o processo em tela encontra, também nesse ponto, a solidez necessária para ser levado em julgamento, mesmo que se considerasse o Inquérito 544/BA prova imprestável em sede de procedimento administrativo.
38. Ressalte-se, ainda, que a possibilidade da utilização do referido inquérito no presente feito já se tinha por certa deste a Nota Técnica nº 001/2007/SARJ/GAB/MI, a que novamente se faz referência e onde se transcreveu a seguinte citação.
“PROVA EMPRESTADA. Penal. Interceptação telefônica. Escuta ambiental. Autorização judicial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita de delitos cometidos por autoridades e agentes públicos. Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento administrativo disciplinar, contra os mesmos servidores. Admissibilidade. Resposta afirmativa a questão de ordem. Inteligência do art. 5°, inc. XII, da CF, e do art. 1° da Lei federal n° 9.296/96. Voto vencido. Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais/oram colhidos “. (Questão de Ordem em Inquérito 2.424, Site Consultor Jurídico).
39. Por oportuno, podemos afirmar que toda a documentação carreada aos autos, seja oriunda de inquérito policial, seja de processos do Tribunal de Contas da União, e que demonstra a prática de ilícitos, pode ser utilizada no julgamento a ser proferido pelo Exmo. Senhor Ministro da Integração Nacional.
25. Para a Impetrante as condutas ilícitas constantes do Inquérito Policial, lastreadas em notícias da imprensa, são meras investigações, supostas e prováveis. Seriam, “se muito, meros indícios, os quais demandariam necessariamente a transformação em verdadeiros elementos de prova pela Administração, observados os princípios do contraditório e da ampla defesa”. No entanto, todos os fatos que ensejaram a aplicação da penalidade foram franqueados à Impetrante para o exercício de suas garantias constitucionais.
26. Ademais, não se pode olvidar que a decisão ministerial embasou-se nas normas, doutrinas e jurisprudências sobre o caso, e na preservação do interesse público. No PARECER CONJUR/MI nº 1339/2007, restou consignado que:
31. Não deve prosperar a alegada carência de elementos fáticos comprobatórios, uma vez que as condutas ilícitas da Construtora Gautama Ltda estão devidamente comprovadas pelos documentos constantes no Inquérito 544/BA, bem como pelas decisões emanadas pelo Tribunal de Contas da União.
32. São robustas as provas colhidas no âmbito do referido inquérito, no sentido de comprovar um verdadeiro esquema de corrupção e de favorecimentos espúrios, os quais acarretam graves prejuízos para o erário federal. Tais condutas geraram, inclusive, a decretação da prisão preventiva de diversas pessoas.
33. Diante das alegações da empresa interessada, que contradita a imputação de ilícitos especificamente delimitados, vale a transcrição, posto que longa e já levada a efeito na Nota Técnica que instrui os autos, de trechos do Inquérito 544/BA e de decisões do Tribunal de Contas da União - TCU:
O Relatório II, constante à fl. 199/200, do volume 5, por sua vez, deixa claro a relação existente entre a Construtora Gautama Ltda., e diversos agentes públicos no sentido de fraudar licitações e contratos públicos:
O mesmo Relatório, ao analisar o caso na Barragem do Rio Pratagy – Convênio 553730 esclarece o seguinte:
“Não somente ABELARDO solicita aos funcionários da SEINFRA a agiização da emissão do parecer técnico favorável como também, FÁTIMA e ZULEIDO agem no mesmo sentido, fazendo com que DENISON e o Secretário ADEILSON TEIXEIRA contatem seus subordinados, atendendo aos interesses da GAUTAMA:
(...)
No Relatório de Inteligência Policial (Parcial nº 03 – STJ), assinado em 9 de março de 2007, compreendendo o período de interceptação telefônica entre 27 de fevereiro e 13 de março de 2007, constante às fls. 9/66 do volume 2, está presente análise quanto à medição irregular na Barragem do Rio Pratagy, em Alagoas, conforme se verifica abaixo:
Quanto à corrupção passiva de Flávio Conceição, em Sergipe, o Relatório informa à fl. 60 que:
“De fato, no dia 27/02/07, na cidade de Aracaju/SE, por volta de 16:35, FLAVIO CONCEIÇAO (ex-funcionário do Governo do Estado de Sergipe e atual Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado) recebeu quantia em dinheiro, entregues por HUMBERTO RIOS OLIVEIRA e “UBIRACI”, ambos funcionários da Construtora GAUTAMA.”
A respeito da obra do Canal do Sertão, em Alagoas, o referido Relatório dispõe à fl. 40 que:
“Apesar de todo empenho de FATIMA e do advogado ALVARO (GAUTAMA) na defesa do Estado de ALAGOAS, chegando ao extremo de preparar o próprio documento de defesa do Estado (ver item 3.3 do Relatório Parcial N. 02), o TCU, em recente decisão, referente ao PROCESSO TC 014771/2006-1 - CANAL DO SERTÃO condenou DENISSON TENÓRIO (atual Subsecretário de Infra-Estrutura de Alagoas) a ressarcir o erário por irregularidades na obra. Foram travados diálogos entre DENISSON e FÁTIMA (GAUTAMA), em que ele expõe o problema e solicita a intervenção de FÁTIMA em sua defesa:”
Quanto à corrupção de Adeilson Teixeira (Secretário de infra-estrutura de Alagoas), o Relatório estabelece à fl. 42 que:
“Neste evento ficou bem claro o modus operandi da organização criminosa no que diz respeito ao pagamento de “propinas” às autoridades públicas que colaboram nas obras da GAUTAMA.
No dia 09/03/07, às 11:31:28, FLORENCIO ligou para SHINGO, gerente do Banco do Brasil (agência em SALVADOR/BA), solicitando R$ 145.000,00 (cento e quarenta e cinco mil reais), os quais foram entregues a ZULEIDO no aeroporto de SALVADOR/BA, onde o mesmo seguiu viagem para MACEIO/AL, cidade em que se encontrou com ADEILSON, no escritório particular deste (TEIXEIRA e BEZERRA). Frise-se a preocupação do grupo em razão da remessa ter sido em dinheiro “miúdo” e fazer volume no transporte.”
Com relação à atuação da organização criminosa no Maranhão, o Relatório diz que:
“Nos dias seguintes à referida reunião registraram-se diversos diálogos travados entre ZULEIDO, VICENTE e GIL, e entre GERALDO MAGELA e ROBERTO FIGUEREDO (BETINHO), que demonstram que o governo do MARANHÃO pagará, em breve, à GAUTAMA pela medição da obra das pontes, fazendo, inclusive, alusão a dinheiro “carimbado”, ou seja, dinheiro pré-acertado para pagamento da obra." (fl. 60)
“Com relação a ROBERTO FIGUEIREDO - BETINHO, apurou-se que existe um “débito” (de propina) da GAUTAMA com ele, ainda quando era consultor do Governo anterior do MARANHÃO e prestou assessoria no Governo anterior de ALAGOAS, sendo acertado o pagamento em três parcelas, as quais, entretanto, não foram quitadas, o que está gerando certo aborrecimento por parte dele, tendo em vista que vai assumir o Banco de Brasília - BRB. BETINHO ainda é importante para a ORCRIM em razão de seus contatos no GOVERNO DO MARANHÃO." (fl. 68).
No Relatório de Inteligência Policial (Parcial n° 04 – STJ), assinado em 10 de abril de 2007, presente no volume 4, está a informação de que o dinheiro para pagamento de propina é transportado via aérea, conforme se verifica às fls. 9/10:
“Conforme exposto no último período, o dinheiro para pagamento de propinas continua viajando via aérea, transportado em bolsas por funcionários da GAUTAMA e pelo próprio ZULEIDO de uma cidade para outra.
Neste último período de monitoramento foram transportados quase R$ 600.000,00 (SEISCENTOS MIL REAIS) em 03 (três) viagens de avião.
Somente no dia 20/03/07, foram transportados por FLORÊNCIO (Funcionário da GAUTAMA) R$ 424.000 (quatrocentos e vinte e quatro mil Reais) de SALVADOR/BA à BRASILIA/DF, dos quais R$ 224.000,00 (duzentos e vinte e quatro mil) destinados a JACKSON LAGO, Governador do MARANHÃO e 200.000,00 (Duzentos mil Reais) destinados a NILSON LEITÃO, Prefeito de SINOP/MT.
No dia 23/03/03, o próprio ZULEIDO transporta R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil Reais) de SALVADOR/BA para MACEIÓ/AL, onde entrega o dinheiro em uma reunião onde estava presente ENEAS DE ALENCASTRO NETO, Representante do Estado de Alagoas em Brasília/DF.
A respeito da conduta criminosa em Sinop/MT, o relatório esclarece às fls. 60/61 o seguinte:
“Como já se previa, após a assinatura do contrato milionário, o prefeito de SINOP mandou a conta para ZULEIDO, que por vez mobiliza GIL/FLORENCIO (funcionário da GAUTAMA) para mandar dinheiro BRASÍLIA a fim de pagá-la. Os diálogos expostos a seguir comprovam uma seqüência de atos datados de 20 e 21/03/07, que culminaram tanto no recebimento de R$ 237 mil Reais pelo governador do Maranhão, a ser tratado no evento próprio, quanto no recebimento de R$ 200 mil Reais por parte de NILSON LEITÃO, prefeito de SINOP/MT, por intermédio de JAIR PESSINE, ex-Secretário Municipal de SINOP/MT.”
No Relatório de Inteligência Policial (Parcial n° 05 – STJ), assinado em 25 de abril de 2007, consta à fl. 9, do volume 5, análise da interceptação das comunicações no que se refere ao transporte aéreo de dinheiro em bolsas, conforme se verifica abaixo:
“Conforme já exposto em relatórios anteriores, o dinheiro para pagamento de propinas e despesas não contabilizadas da ORCRIM é transportado via aérea por meio de bolsas, seja por funcionários da GAUTAMA, seja pelo próprio ZULEIDO, partindo sempre da cidade de SALVADOR/BA.”
Quanto ao pagamento de medições irregulares, o relatório informa, à fl. 21, que:
“Conforme relatado no último relatório a GAUTAMA, por meio de ABELARDO, ZULEIDO E FÁTIMA, estavam negociando com CRISPIM (DIRETOR DE OBRAS), ADEILSON BEZERRA (SECRETÁRIO DE INFRA-ESTRUTURA) E ENÉAS (REPRESENTANTE DO ESTADO EM BRASÍLIA) o pagamento de medições irregulares, e de fato a seqüência dos diálogos nos dias seguintes confirmam a liberação da verba no valor de R$ 2,6 milhões".
Quanto ao aporte de recursos federais na obra de Pratagy, o mencionado relatório afirma, à fl. 23, que:
“Conforme os diálogos abaixo transcritos entre ZULEIDO e ERNANI SOARES (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO), fica evidente que ERNANI trabalha para a Organização Criminosa. ERNANI deixa claro que está conseguindo um aporte de R$ 20 MILHÕES para obra de PRATAGY, e ao final pede dinheiro pelo trabalho executado.”
Vale também ressaltar o que está à fl. 42 do relatório:
“Fica patente o envolvimento de servidores para agilizar o pagamento das medições, em diversos diálogos entre VICENTE, ZULEIDO, JOÃO MANOEL (funcionário da GAUTAMA), RAFAEL (funcionário da GAUTAMA), ORTEGAL (ainda pendente de identificação), SILVIO (ainda pendente de identjficação), ALEXANDRE LAGO, ELIZEU (possível funcionário do governo) falam sobre o pagamento das medições da obra das pontes.
No caso de ALEXANDRE LAGO, ele recebeu 40 mil Reais da ORCRIM para ajudar na liberação do pagamento da obra, propina esta que foi transportada no dia 19/04/07, por HUMBERTO (funcionário da GAUTAMA), e entregue a VINCENTE CONI, o qual no dia seguinte (20/04/07) se desloca até a residência de ALEXANDRE LAGO, e segurando um envelope, entra no edifício de ALEXANDRE, e minutos depois sai sem o envelope. Tudo devidamente registrado conforme as informações e diálogos travados abaixo transcritos.”
Outras irregularidades praticadas pela Gautama quanto à contratos e licitações públicas, podem ser constatadas do simples exame de inúmeras decisões proferidas pelo Tribunal de Contas da União.
No acórdão TC-1014/2007 - Plenário, por exemplo, foi verificada a ocorrência de erros em medições e a execução de serviços em desconformidade com projetos, dando causa não só a retenção de valores devidos à Construtora como também a determinação para a instauração de TCE (anexo 03).
Em outras decisões proferidas pelo TCU, inclusive em obras executadas com recursos oriundos deste Ministério, encontramos novas irregularidades envolvendo a Gautama:
(1) Acórdão 1173/2005 – Plenário
Fiscobras 2003 e 2004. Construção de barragens em Poço Verde/SE. Irregularidades graves na obra. Inexecução de serviços. Superfaturamento. Construção de canteiro em propriedade particular. Sonegação de documentos. Audiência dos responsáveis. Indícios da existência de dano ao Erário. Conversão dos autos em TCE. Citação dos responsáveis. Determinações. Comunicação aos interessados. (Poço Verde/SE – anexo 05)
(2) Acórdão 859/2006 - Plenário
(...)
4. A comprovação do superfaturamento faz surgir para os envolvidos o dever de ressarcir à Administração os valores indevidamente recebidos. (Poço Verde/SE - Anexo 06)
(3) Acórdão 584/2003 - Plenário
'Levantamento de Auditoria. Governo do Estado de Sergipe e Ministério da Integração Nacional. Obras da segunda etapa da Adutora do São Francisco, em Sergipe. Sobrepreço. Movimentação de recursos de convênio em conta não especifica. Resultado de aplicações financeiras de recursos de convênio não revertidos integralmente para o objeto pactuado. Integralização intempestiva de contrapartida. Audiência dos responsáveis. Determinação. Comunicação ao Congresso Nacional. (Anexo 07)
(5) Acórdão 1020/2007 - Plenário
'FISCOBRAS/2001. RELATÓRIO DO LEVANTAMENTO DA AUDITORIA NA CONSTRUÇÃO DA ADUTORA DE ITALUÍS II, NO ESTADO DO MARANHÃO. EXAME REALIZADO PELA SECOB EM CUMPRIMENTO AO ACÓRDÃO N 1.521/2005 - TCU - PLENÁRIO. NECESSIDADE DE READEQUAÇÃO DO BDI PARA FORNECIMENTO DE MATERIAIS.
(...)
VII - CONCLUSÃO GERAL
(...)
d.2) Para o Contrato 071/2000-RAJ, firmado com a Construtora GAUTAMA S.A. existem sobrepreços de:
R$ 3.761.778.94 (cerca de 9% acima dos preços cotados) para 'materiais e equipamentos', considerando uma amostra que contemplou tubos de ferro fundido tubos de aço-carbono; e
R$ 6.707.017,64 (cerca de 20% acima dos preços cotados) para os serviços de engenharia (...).' (Anexo 09)
34. É compreensível que a empresa declarada inidônea negue todos os fatos a ela imputados. O que não se concebe é que, diante da clareza e objetividade das transcrições acima, das quais a recorrente fora intimada para se defender, prevaleça o entendimento que se trate de meros indícios ou mera suposições.
35. As condutas são perfeitamente identificadas pela própria linguagem com que são descritas, seja no inquérito, seja nas decisões do TCU, que inclusive aplicou penalidades à empresa. Além de se constituir em prova, as condutas descritas permitem plena defesa ao acusado. Leiam-se alguns trechos: (solicita (..) atendendo aos interesses da Gautama; recebeu quantia em dinheiro, entregues por (...) funcionários da Construtora Gautama; ficou bem claro o modus operandi da organização criminosa no que diz respeito ao pagamento de “propinas” às autoridades públicas que colaboram nas obras da Gautama; Roberto Figueiredo - Betinho apurou-se que existe um “débito” (de propina) da Gautama com ele; o próprio Zuleido transporta R$ 150.000,00 de Salvador/BA para Maceió/AL, onde entrega o dinheiro; a Gautama, por meio de Abelardo, Zuleido e Fatima, estavam negociando com o pagamento de medições irregulares; foi verificada a ocorrência de erros em medições e a execução de serviços em desconformidade com projetos; Construção de barragens em Poço Verde/SE. Irregularidades graves na obra. Inexecução de serviços. Superfaturamento; comprovação do superfaturamento; para o Contrato 071/2000-RAJ, firmado com a Construtora Gautama S.A. existem sobrepreços).
27. Em outro momento, a impetrante afirma que o Tribunal de Contas da União não a declarou inidônea por ausência de provas acerca de qualquer ilicitude. A análise da decisão daquela Corte com hipóteses de aplicação de penalidade, demonstra entendimento diverso. Atente-se para o disposto no PARECER CONJUR/MI nº 1339/2007:
40. No que tange a eventual vínculo entre o procedimento para a declaração de inidoneidade pelo o TCU e o presente processo, a Corte de Contas, no acórdão n° 1287/2007
- Plenário, citou o voto proferido pelo Ministro Relator Sepúlveda Pertence nos autos do Agravo Regimental na Petição n° 3.606-9 - Distrito Federal, acolhido pelo Supremo Tribunal Federal - STF, em parte transcrito abaixo:
O poder outorgado pelo legislador ao TCU, de declarar, verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal (art. 46 da L. 8.443/92), não se confunde com o dispositivo da Lei das Licitações (art. 87), que - dirigido apenas aos altos cargos do Poder Executivo dos entes federativos (§ 3°) - é restrito ao controle interno da Administração Pública e de aplicação mais abrangente.
41. Dessa forma, a declaração de inidoneidade da empresa com fundamento no disposto nos arts. 86 e 87 da Lei n° 8.666/93, é de competência exclusiva da Administração, entendendo-se o art. 46 da Lei n° 8.443/92 como de aplicação restrita ao TCU e não como paradigma hermenêutico para a declaração de inidoneidade nos termos presentes na Lei de Licitações.
42. Cabe ao Tribunal de Contas da União, em face de suas competências expressamente estatuídas na Constituição Federal, zelar pela correta e boa aplicação dos recursos federais, em beneficio da sociedade, dispondo, para tanto, de poder sancionatório conferido pela própria Carta Maior, a fim de punir infratores e intimidar condutas ilícitas referentes à administração da coisa pública.
43. Sobre o papel do TCU, a Constituição, em seu art. 71, inciso VIII, assim dispõe:
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxilio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
(...)
VIII – aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;
44. Dentre as sanções cominadas na lei e aplicáveis pelo TCU, existe a declaração de inidoneidade da empresa, prevista no art. 46 da Lei n° 8.443/92, transcrita abaixo:
Art. 46. Verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, o Tribunal declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal.
45. Nesse cenário, os elementos que chegaram ao conhecimento do Ministério da Integração Nacional justificam a aplicação da reprimenda acima mencionada, após a observância do devido processo legal, a despeito do que se tenha passado no âmbito do TCU, em razão das normas que lhe são próprias.
28. Como no recurso administrativo, em sua inicial a Impetrante discorre sobre a suposta impossibilidade de utilização dos acórdãos do Tribunal de Contas da União, do Inquérito 544/BA na instrução do processo administrativo. Outra vez vale transcrever PARECER CONJUR/MI nº 1339/2007, quando da análise do tema:
46. Quando a construtora alega a impossibilidade de utilização do inquérito policial como prova emprestada, almeja induzir a Administração Pública a erro. Na verdade, o inquérito policial constitui uma peça informativa de natureza administrativa, que pode servir, juntamente com as decisões do TCU, para formar um conjunto probatório apto a declarar a inidoneidade da empresa pela Administração Pública.
47. Sobre o conceito de prova emprestada, citamos o ensinamento do ilustre ex - Min. do Superior Tribunal de Justiça - STJ Luiz Vicente Cernicchiaro, publicado no Jornal Correio Brasiliense, de 2 de setembro de 1996:
Prova emprestada... Toda investigação de prova, obrigatoriamente, passa, insista-se, pelo crivo do contraditório. Em conseqüência, a parte precisa ser cientificada da indicação, produção e autorizada a assistir a coleta. Só assim, ter-se-á o princípio realizado substancialmente. Além disso, a parte pode participar dessa atividade, sendo-lhe consentida, por exemplo, reinquirir testemunhas, acompanhar diligências, sugerir quesitos para a perícia. A prova, portanto, é regulada pelo Direito, que, no dizer de Franco Cordero, fixa as condições de admissibilidade e o modo de formação. A prova recolhida em um processo não pode, como tal, ser utilizada em outro. Um processo não transfere (empresta) a prova para outro... A prova emprestada, portanto, é apenas um fato, suscetível de ser objeto de prova. A distinção não é meramente acadêmica. Como toda prova urge passar pelo contraditório; a parte tem direito à produção secundum ius. Efeito prático: se assim não ocorrer, cumpre ser repelida, sob pena de invalidade: contrasta com o devido processo legal... O leigo, tantas vezes, não compreende as normas jurídicas. Tem-na como excessivamente formalista, dificultando a conclusão do processo. Assim o é por não perceber que atrás de um dispositivo legal (notadamente constitucional - sentido restrito) está presente um valor, penosamente conquistado no passar dos séculos. Em poucas palavras: empresta-se o fato. A prova, não. Há de ser colhida conforme o ritual jurídico para determinado processo.
48. Segundo a jurisprudência do STF e STJ, a prova emprestada, quando não sabatinada pelas mesmas partes, portanto, com observância do contraditório e ampla defesa, deve ser considerada em caráter auxiliar (STF, HC 72295, Min. Octávio Gallotti, DJ 27.10.95) e pode ensejar condenação quando não for a única prova colhida (STF HC 7707, Min. Celso de Melo, DJ 14.08.92). A contrário senso pode ensejar condenação quando foi (a prova emprestada) submetida ao crivo do contraditório e ampla defesa, pelas mesmas partes (STJ, RESP 94798, DJ 07.04.96, Min. Vicente Leal).
49. In casu, ressalte-se, novamente, que as interceptações telefônicas colhidas na fase inquisitorial, as quais este Ministério teve acesso, não estão sendo consideradas isoladamente, tendo em vista que, juntamente com as decisões do TCU contrárias à Gautama, servem de base contundente para a declaração de inidoneidade da ora acusada.
50. Á respeito do assunto, interessante a seguinte decisão monocrática proferida pelo STF:
DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança preventivo impetrado por Benedito de Carvalho Sá, Deputado Federal, contra eventual ato da Mesa da Câmara dos Deputados de oferecimento de representação ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. O Impetrante sustenta ilegalidade do aproveitamento em processo administrativo (Sindicância n° 2006/105.011) de prova (interceptação telefônica) colhida em processo penal diverso, afirmando que “Se ao longo da investigação, a autoridade policial captou ligações telefônicas com parlamentar federal, deveria ter comunicado, de imediato, ao Juízo Federal do Estado da Paraíba, local em que transcorre o inquérito, bem assim à autoridade judicial competente para autorizar a quebra daquele sigilo telefônico, no caso, o Supremo Tribunal Federal, o que não aconteceu.” (fl. 05) A título de plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni juris) aduz ofensa ao art. 5°, XII, da Constituição Federal, sob o argumento de que a prova colhida por interceptação telefônica, no âmbito penal, não pode ser emprestada em processos vinculados a outros ramos do Direito. (..) No mérito, requer-se, a exclusão do áudio e da respectiva degravação das conversas captadas no Inquérito Policial nº 2005.82.00.006585-8, para que a Comissão de Sindicância promova nova decisão com base em outras provas (fl. 10). (...) Outrossim, melhor sorte não parece ter o Impetrante ao argumentar que estaria sendo violado o art. 5°, XII, da Constituição Federal (sigilo das comunicações telefônicas), o que demandaria declaração de nulidade das provas que sustentam o oferecimento da representação perante o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. Isso porque, um exame preliminar dos documentos e informações constantes dos autos dá indícios de que fora respeitado o devido processo administrativo e legal (inclusive tendo sido dada oportunidade de contraditório perante a Comissão de Sindicância), no que tange à utilização da prova emprestada dos autos do Inquérito n° 2005.82.00.006585-8 (Operação Confraria), no Procedimento Administrativo n° 2006/105.011, perante Comissão de Sindicância da Câmara dos Deputados. Ante o exposto, indefiro o pedido de liminar. Remetam-se os autos à Procuradoria-Geral da República. Publique-se. Brasília, 13 de setembro de 2006.” (MS 26082 MC/DF, Min. Gilmar Mendes, julgamento 13/09/2006, DJ 19/09/2006)
51. Além disso, ainda que a empresa venha alegar eventual vício no inquérito policial, não constituirá causa de nulidade processual, sendo considerado mero ato de irregularidade (RT 762/546, 756/500, 578/448).
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PROVA EMPRESTADA. INFLUÊNCIA NA APLICAÇÃO DA PENA. NÃO-OCORRÊNCIA. DUPLA PUNIÇÃO PELO MESMO FATO. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. DECISÃO DA AUTORIDADE IMPETRADA. ACOLHIMENTO DO RELATÓRIO MOTIVAÇÃO ADEQUADA. PROVEITO PESSOAL. CARACTERIZAÇÃO. DIGNIDADE DA FUNÇÃO PÚBLICA. COMPROMETIMENTO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO. SEGURANÇA DENEGADA.
1. A prova emprestada, que é admitida dentro do conjunto probatório quando submetida ao princípio do contraditório, não foi considerada pela comissão processante ou pela autoridade impetrada para aplicação da penalidade de demissão, não havendo falar em nulidade do processo disciplinar por esse motivo.
(...)
(MS 10470/DF, Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, DJ 18.06.2007 p. 242).
52. Se o inquérito não é processado com base no princípio do contraditório, o relevante é que o processo administrativo o seja.
53. Diga-se ainda, com fundamento na independência das instâncias, que o TCU também entende a possibilidade de utilização de elementos colhidos em inquérito policial no julgamento de contas:
Acórdão 2/1997 - Segunda Câmara
Relatório do Ministro Relator
(...) Ementa: Tomada de contas especial instaurada para apurar responsabilidades por irregularidades ocorridas na área operacional (empréstimos) do Banco da Amazônia S/A, Agência Rio/Metropolitana de Madureira. Alegações de defesa rejeitadas pelo Plenário na Sessão de 03.03.93 (Decisão n° 034/93). Interposição de Recursos de Reconsideração e apresentação de Memorial. Aplicação do art. 23, § 2°, da Resolução n° 36/95. Inexistência de fatos novos capazes de elidir a responsabilidade dos envolvidos nos fatos inquinados. Irregularidade das contas. Débito. Autorização para cobrança judicial da dívida. A presente Tomada de Contas Especial foi instaurada em razão das irregularidades apontadas no Relatório da Auditoria Especial realizada pela Secretaria de Controle Interno do extinto Ministério do Interior no Banco da Amazônia S/A - BASA, consoante deliberação proferida por este Tribunal em 03.05.88, no Processo TC 004.667/87-6.
2. Os débitos aqui tratados referem-se a prejuízos causados por operações financeiras deferidas sem a observância das normas internas do Banco e da boa técnica bancária, e concretizada mediante o pagamento de comissões, a servidores e agenciadores de tais empréstimos, por parte dos mutuários. Tais ocorrências foram apuradas por Comissão de Inquérito Administrativo e pelo Inquérito Policial n° 210/88, conduzido pela Superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro.
(...)
5. Com a notificação dos responsáveis, os Srs. Augusto Barreira Pereira e Augusto Barreira Pereira Júnior interpuseram, em 30.03.93 e 02.04.93, respectivamente, Recursos de Reconsideração contra a mencionada “decisum", fundados em alegações de infringência aos princípios do contraditório e da ampla defesa, por não lhes ter sido dado acesso ao procedimento ensejador da citação, nem lhes ter sido permitido requerer e produzir provas. No mérito, reafirmam os argumentos já sustentados anteriormente, tendentes a demonstrar a inexistência dos ilícitos apurados e a ausência de provas de suas participações em quaisquer das irregularidades apontadas nos autos.
(...)
11. O Ministério Público, em atendimento à audiência solicitada pelo Senhor Ministro Paulo Affonso Martins de Oliveira, a quem estavam distribuídos estes autos, e de forma a abreviar sua intervenção no presente feito, fez acostar aos autos cópia do Parecer exarado, em 10.10.95, no TC 001.536/90-7, onde ficou consignado o entendimento daquele Órgão sobre a questão enfocada nestes autos.
Naquele Parecer, o ilustre Representante do Ministério Público, Subprocurador-Geral Dr. Lucas Rocha Furtado, teceu as seguintes considerações sobre a matéria:
(...)
- o sobrestamento do presente feito até a conclusão do inquérito policial instaurado contra o defendente sobre a mesma conduta examinada nos autos não está previsto no ordenamento jurídico, o que não ocorre com o processo no juízo cível (inciso IV do art. 265 do CPC); - a apuração dos fatos na esfera penal não obsta a instauração do devido processo administrativo, exceto quando se trata de “crime contra a administração pública”, quando o feito administrativo há que ser sobrestado até o pronunciamento definitivo da jurisdição penal. Tal fato “não infirma o princípio que impõe a repercussão do processo penal sobre o administrativo (art. 126 da Lei n° 8.112/90), mas apenas quando da absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria", - o memorial refere-se apenas à instauração de inquérito policial e não de processo penal em curso. “Nesse caso, em que a denúncia não foi ainda oferecida pelo Ministério Público competente, descabido parece a este MF/TCU aventar a hipótese de sobrestamento do feito administrativo, vez que toda a argumentação trazida aos autos tem como pressuposto inafastável a existência de processo crime contra o responsável".
12. Com essas considerações, o ilustre representante do Ministério Público manifestou-se pela irregularidade daquelas contas, com fundamento no art. 16, inciso III, alínea “c”, do art. 19, “caput”, ambos da Lei n° 8.443/92 com a condenação dos responsáveis ao recolhimento dos débitos que lhes estavam sendo imputados.
(...)
É o Relatório.”
Voto do Ministro Relator
Nos termos do art. 23, § 1°, da Resolução/TCU n° 036/95, não cabe mais recurso de decisão que rejeitar as alegações de defesa apresentadas pelo responsável. Assim, os novos elementos carreados aos autos pelos Srs. Augusto Barreira Pereira e Augusto Barreira Pereira Júnior não devem ser acolhidos como Recurso de Reconsideração, conforme decidido na Sessão Extraordinária Administrativa de 04.10.95. 2. E de se destacar, no entanto, que esta inovação procedimental não importa em qualquer prejuízo para a ampla defesa garantida aos responsáveis, já que os documentos eventualmente apresentados nesta fase processual devem ser considerados na oportunidade do julgamento das contas, como determina o § 2° do mesmo dispositivo regulamentar. 3. Entretanto, como assinalado pela Unidade Técnica e endossado pela douta Procuradoria, os novos elementos apresentados pelos responsáveis não trazem qualquer fato novo, capaz de modificar o juízo de mérito já formulado por este Tribunal acerca das questões colocadas nos autos. 3. Assim, acolho, quanto ao mérito, as conclusões da SECEX/PA e do Ministério Público, e Voto por que o Tribunal adote o Acórdão que ora submeto à consideração desta Segunda Câmara.
Acórdão
(...)
Considerando que nos termos do art. 23, § 1°, da Resolução n° 036/96-TCU não cabe mais recurso de decisão que rejeitar as alegações de defesa apresentadas por responsáveis; Considerando que os novos elementos apresentados pelos Srs. Augusto Barreira Pereira e Augusto Barreira Pereira Júnior não trazem qualquer fato novo capaz de modificar o juízo de mérito já formulado por este Tribunal acerca das questões colocadas nos autos; Considerando, ainda, o teor dos pareceres da SECEX/PA e do Ministério Público, no sentido da irregularidade destas contas, com a condenação dos responsáveis ao pagamento dos débitos que lhes foram imputados; ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão da Segunda Câmara, em: a) com fundamento nos arts. 1°, inciso I, 16, inciso III, alínea “c", 19, “caput”, e 23, inciso III, todos da Lei n° 8.443/92, julgar irregulares as presentes contas e em débito os Srs. Augusto Barreira Pereira, Augusto Barreira Pereira Júnior, Guilherme Feldhaus, William Blanco de Abrunhosa Trindade, João Carlos Busse, Francisco Carmo José Iannuzzi e João Carlos Fernandes Soares, solidariamente com os representantes legais das firmas indicadas a seguir, condenando-os ao pagamento das quantias se seguem e fixando-lhes o prazo de 15 (quinze) dias, a contar da notificação, para comprovarem perante este Tribunal (art. 165, inciso III, alínea “a", do Regimento Interno) o recolhimento das dívidas aos cofres do Banco da Amazônia S/A, atualizadas monetariamente e acrescidas dos juros de mora devidos a partir das datas dos débitos, até o dia do efetivo recolhimento, e convertidas ao padrão monetário vigente, na forma da legislação em vigor: (VIDE QUADRO NO DOCUMENTO ORIGINAL) b) autorizar, desde logo, nos termos do art. 28, inciso II, da Lei n° 8.443/92, a cobrança judicial das dívidas, caso não atendidas as notificações no prazo fixado.
54. De fato, a instância penal, a exemplo do que se passa no art. 126 da Lei n° 8.112/1990, apenas poderia se sobrepor à instância administrativa nos casos de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria. Leia-se:
Art. 126. A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.
55. Hely Lopes Meirelles aborda a questão da responsabilidade administrativa, independente da criminal:
A punição administrativa ou disciplinar não depende de processo civil ou criminal a que se sujeite também o servidor pela mesma falta, nem obriga a Administração a aguardar o desfecho dos demais processos, nem mesmo em face da presunção constitucional de não culpabilidade. Apurada a falta funcional, pelos meios adequados (processo administrativo, sindicância ou meio sumário), o servidor fica sujeito, desde logo, à penalidade administrativa correspondente.
A punição interna, autônoma que é, pode ser aplicada ao servidor antes do julgamento judicial do mesmo fato. E assim é porque, como já vimos o ilícito administrativo independe do ilícito penal. A absolvição criminal só afastará o ato punitivo se ficar provada, na ação penal, a inexistência do fato ou que o acusado não foi seu autor.
O que a Administração não pode é aplicar punições arbitrárias, isto é, que não estejam legalmente previstas. Desde já deixamos esclarecidos que tais atos exigem fiel observância da lei para sua prática e impõem à Administração o dever de motivá-los, isto é, de demonstrar sua conformidade com os dispositivos em que se baseiam. Aliás, a tendência moderna, como observa mui agudamente Jèze, é a da motivação de todo ato administrativo que não decorra do poder discricionário da Administração e da sua vinculação aos motivos determinantes do seu cometimento. Na motivação da penalidade, a autoridade administrativa competente para sua aplicação deve justificar a punição imposta, alinhando os atos irregulares praticados pelo servidor, analisando sua repercussão danosa para o Poder Público, apontando os dispositivos legais ou regulamentares violados e a cominação prevista. O necessário é que a Administração Pública, ao punir seu servidor, demonstre a legalidade da punição. Feito isso, ficará justificado o ato, e resguardado de revisão judicial, visto que ao Judiciário só é permitido examinar o aspecto da legalidade do ato administrativo, não podendo adentrar os motivos de conveniência, oportunidade ou justiça das medidas da competência específica do Executivo.”
(Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 498/499)
56. Independente as instâncias e preservado o contraditório no âmbito do processo administrativo, a sorte do inquérito policial não interferirá no destino do processo administrativo.
29. Ao desconsiderar todas essas questões na apreciação do caso não estaria o Administrador descumprindo o dever de zelar pelo interesse público? Atente-se que para tal mister a Administração exerce uma função: a função administrativa. Função é gestão de coisa alheia. O administrador fica adstrito a uma finalidade estabelecida previamente. No caso da função pública, a vontade está submissa ao desígnio pré-determinado na Constituição ou na lei, direcionado sempre à cura do interesse público (MELLO, Celso Antônio Bandeira de Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 60-61, p. 89).
30. Devem ser refutados, em vista do exposto, também esses argumentos propostos pela Impetrante.
VI- CONSTITUCIONALIDADE DA SANÇÃO APLICADA
31. Em seu mandamus, a Construtora Gautama questiona a constitucionalidade da sanção “declaração de inidoneidade” sustentando que se a Lei nº 8.666, de 1993 não determinou o que é ilícito para fins de aplicação da pena; nesse caso, não poderia o administrador fazê-lo.
32. Assinala que a essa Lei não atende ao princípio da tipicidade (ou especificação) ao deixar de delinear “com todo rigor e nos devidos contornos, os atos ilícitos sujeitos” à cominação da penalidade. Afirma, entretanto, às fls. 33 que uma vez comprovado o cometimento de algum ilícito ou infração administrativa - hipótese efetivamente ocorrida, conforme exposto no capítulo anterior - é possível a aplicação da sanção de declaração de inidoneidade.
33. A exemplo dos demais, o assunto foi objeto da defesa e do recurso administrativo interposto que, no PARECER CONJUR/MI nº 1250/2007, mereceu os seguintes comentários:
30. Uma breve incursão no constitucionalismo brasileiro demonstra que os controles de constitucionalidade existentes em nosso país estão a cargo do Poder Legislativo e do Presidente da República, no curso do processo legislativo, e a cargo do Poder Judiciário, após a publicação das leis.
31. E assim como não é dado à Administração pública decretar inconstitucionalidade de leis, não lhe é dado negar validade a elas. Na já clássica afirmativa de Seabra Fagundes “administrar é aplicar a lei de oficio", não deixar de aplicá-la.
32. Nesse passo, a discricionariedade presente na norma não a macula e poderá ser exercitada, desde que não se sobeje os termos da lei, no momento final de apreciação exclusiva do Ministro de Estado acerca da gravidade dos ilícitos praticados e da inidoneidade daí decorrentes.
33. Bom registrar, ainda sob o pálio da discricionariedade, que se a lei prevê mais de uma pena possível para os ilícitos que frustram os objetivos das licitações e que comprometam a idoneidade do infrator, o art. 88 da Lei nº 8.666, de 1993 não estabelece qualquer progressão entre as penalidades, de tal sorte que, em juízo livre e motivado, a autoridade competente poderá aplicar qualquer das penas, sendo certo que nos presentes autos existem elementos para a aplicação da penalidade mais grave.
34. Por sua vez, o PARECER CONJUR/MI nº 1339/2007, que examinou o recurso administrativo:
12. Mostra-se, ainda, necessário, para afastar dúvidas e inteligências subvertidas quanto à competência do Ministro da Integração Nacional para a prática do ato impugnado, tecer algumas considerações acerca da constitucionalidade e da aplicabilidade do art. 88 c/c 87, da Lei n° 8.666/93 em face da carga de discricionariedade da norma e diante dos fatos que instruem o presente processo.
13. No Parecer nº 1250/2007 CONJUR/MI, sustentou-se:
09. Não se defende, aqui, que o dispositivo possa ser utilizado por qualquer administrador, sem que haja qualquer vínculo entre o administrado e a administração. Assim, cabe lembrar que embora o texto legal estenda a aplicação de penalidade àquele que não é o contratado, as condutas por ele praticadas necessariamente terão de estar vinculadas a um contrato administrativo, quer anterior, contemporâneo ou posterior (Marçal Justen Filho, Comentários à lei de licitações, Dialética, 2005, p. 625, item 2). Além disso, há que se vislumbrar um mínimo de relação entre a administração processante e o administrado processado, o que, no caso em apreço, se verifica com clareza na pretensão da Construtora Gautama Ltda., postular contrato com este Ministério da Integração Nacional ao participar da licitação aberta pelo Edital Ml 02/2007.
10. Desta feita, as diversas irregularidades já listadas na Nota Técnica, no Relatório Secretaria-Executiva bem assim nos documentos que instruem os presentes autos, uma vez praticadas no âmbito de contratos administrativos justificam a providência adotada.
11. Por sua vez, o procedimento administrativo obedece rigorosamente às exigências legais, tanto no que diz respeito à competência das autoridades envolvidas, o procedimento adotado, bem como o respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
12. Partindo do pressuposto de que aquele que pretende contratar com a Administração Pública deve gozar de presunção de idoneidade e do fato de que “os antecedentes da empresa [...] são de ordem a lançar-lhe uma presunção de inidoneidade, a exigir repúdio da Administração com o fim de prevenir novos atentados contra o interesse público por parte de quem já contra ele atentou no passado” (Jessé Torres Pereira Júnior, Comentários à lei das licitações, Renovar, 2003, p. 831), encontra-se perfeitamente justificado o presente processo administrativo.
14. A partir desse trecho, retomando argumentos de inconstitucionalidade da norma e inspirada na literatura penal, quer a recorrente sustentar a inaplicabilidade dos artigos da Lei n° 8.666/93 ao caso, sob o fundamento de que não atendem ao princípio da tipicidade. Questiona, ademais, como poderia o Ministério da Integração estar legitimado ao processo, se a empresa declarada inidônea não possui nenhum contrato com o Ministério, mas apenas postula uma contratação futura.
15. Há que se distinguir o motivo que gera a legitimidade do Ministro da Integração para instaurar o procedimento e julgá-lo e os motivos que levam ao julgamento.
16. Pela letra da lei, não há qualquer limitação a qualquer ministério, mesmo àqueles que não contratem com a empresa, para a abertura do processo de inidoneidade. Contudo, é razoável supor que deva existir pelo menos uma expectativa de que a empresa imputada como inidônea venha a contratar com o ministério, quando se tratar de Pasta desprovida da função de controle da administração federal. Não é preciso haver ilícitos cometidos pela empresa em contratos com o Ministério. Este fato configuraria a hipótese do art. 87, da Lei n° 8.666/93. No caso, trata-se da hipótese do art. 88, combinado com o art. 87. Eis, pois, o mote da legitimidade do Ministério da integração: a Construtora Gautama Ltda pretende contratar com o Ministério.
17. Esse fator, que apenas legitima o Ministério da Integração Nacional ao processo, não se confunde com os fundamentos da aplicação da penalidade. Tais fundamentos devem dizer respeito à licitação. Isso é verdadeiro. Mas não se limitam à licitações com próprio ministério processante, sob pena de reduzir a hipótese do art. 88 à do art. 87, ambos da Lei n° 8.666/93. Assim, havendo a possibilidade de contrato futuro da empresa imputada como inidônea com o Ministério da Integração Nacional, lícito é o procedimento averiguatório aberto pela pasta, que se poderá valer de todo e qualquer elemento probatório (ilícito criminal, administrativo, tributário, civil etc.) praticado pela indiciada em qualquer processo licitatório ou contrato administrativo, firmado com qualquer órgão da Administração Pública. Hely Lopes Meirelles encerra a discussão acerca da desnecessidade de haver um contrato firmado entre a empresa interessada e o Ministério da Integração Nacional:
“Declaração de inidoneidade - Declaração de inidoneidade é penalidade aplicável por faltas graves do contratado inadimplente, para impedir que continue contratando com a Administração. Não é, a rigor, uma penalidade contratual, mas uma sanção administrativa genérica, que só pode ser aplicada pela autoridade indicada na norma legal que a consigna, na forma e nos casos expressamente estabelecidos.
O que caracteriza a inidoneidade é o dolo ou a reiteração de falhas do profissional ou da empresa. O erro é uma contingência humana e, quando não há má-fé ou reincidência decorrente de culpa grave, deve ser punido com penalidade mais branda que a declaração de inidoneidade, que pode acarretar a ruína do infrator.
(Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 242-243).
18. Sustenta a recorrente, lastreada no Direito Penal, que a inexistência de um tipo delituoso e a discricionariedade, a tornaria o art. 88 da Lei n° 8.666/93 inadequado no ordenamento jurídico brasileiro. Relevante aqui o Direito Administrativo, não o penal, a discricionariedade e a existência de tipo aberto se mostram adequados e compatíveis com o ordenamento jurídico:
19. Em termos gerais, afirma Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Ao contrário do direito penal, em que a tipicidade é um dos princípios fundamentais, decorrente do postulado segundo o qual não há crime sem lei que o preveja (nullum crimem, nulla poena sine lege), no direito administrativo prevalece a atipicidade; são muito poucas as infrações descritas na lei, como ocorre com o abandono de cargo. A maior parte delas fica sujeita à discricionariedade administrativa diante de cada caso concreto; é a autoridade julgadora que vai enquadrar o ilícito como "falta grave", “procedimento irregular", “ineficiência no serviço", “incontinência pública", ou outras infrações previstas de modo indefinido na legislação estatuária. Para esse fim, deve ser levada em consideração a gravidade do ilícito e as conseqüências para o serviço público.
(Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2003, p. 515).
20. A penalidade prevista pela lei de licitações, é, na esteira de manifestações abalizadas, perfeitamente coordenada com o ordenamento jurídico brasileiro, inclusive no que tange à discricionariedade nela presente.
21. Quanto ao tema da legítima discricionariedade do ato administrativo, leiam-se outras opiniões colhidas na literatura jurídica. Para Celso Antônio Bandeira de Mello:
(...) discricionariedade é liberdade dentro da lei, nos limites da norma legal, e pode ser definida como: “A margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal".
Não se confundem discricionariedade e arbitrariedade. Ao agir arbitrariamente o agente estará agredindo a ordem jurídica, pois terá se comportado fora do que lhe permite a lei. Seu ato, em conseqüência, é ilícito e por isso mesmo corrigível judicialmente. Ao agir discricionariamente o agente estará, quando a lei lhe outorga tal faculdade (que é simultaneamente um dever), cumprindo a determinação normativa de ajuizar sobre o melhor meio de dar satisfação ao interesse público por força da determinação legal quanto ao comportamento adequado à satisfação do interesse público no caso concreto.
(MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 385).
22. E novamente Di Pietro:
O motivo será discricionário quando:
- a lei define o motivo utilizando noções vagas, vocabulários plurissignjficativos, os chamados conceitos jurídicos indeterminados, que deixam à Administração a possibilidade de apreciação segundo critérios de oportunidade e conveniência administrativa; é o que ocorre que ocorre quando a lei manda punir o servidor que praticar "falta grave” ou “procedimento irregular", sem definir em que consistem; ou quando a lei prevê o tombamento de bem que tenha valor artístico ou cultural, também se estabelecer critérios objetivos que permitam o enquadramento do bem nesses conceitos.
(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2003, p. 208).
23. Mais uma vez, definitivo, Bandeira de Mello:
Assim, a discricionariedade existe, por definição, única e tão-somente para proporcionar em cada caso a escolha da providência ótima, isto é, daquela que realize superiormente o interesse público almejado pela lei aplicada. Não se trata, portanto, de uma liberdade para a Administração decidir a seu talante, mas para decidir-se do modo que torne possível o alcance perfeito do desiderato normativo. Logo, para verificar-se se o ato administrativo se conteve dentro do campo em que realmente havia discrição, isto é, no interior da esfera de opções legítimas, é preciso atentar para o caso concreto. Esta esfera de decisão legítima compreende apenas e tão-somente o campo dentro do qual ninguém poderá dizer com indisputável objetividade qual é a providência ótima, pois mais de uma seria igualmente defensável. Fora daí não há discrição. (MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 389).
24. Depreende-se dos excertos que certa margem de discricionariedade é natural aos atos administrativos em geral, assim como se passa no caso em apreço. Se de um lado, a discricionariedade não permite que se transborde o conteúdo da lei, ela impõe que a administração busque sempre a medida mais adequada em todas as circunstâncias.
25. No momento atual da Administração pública uma decisão pela moralidade não pode ficar prejudicada pelo argumento de discricionariedade da lei, aqui utilizada com vistas na “escolha da providência ótima".
26. Posto já se tenha sustentado que o foro administrativo não é adequado à declaração de inconstitucionalidade de leis, afirmem-se as razões aqui apresentadas apontam para a constitucionalidade da norma.
27. Em síntese, parece-nos que o art. 88 da Lei n° 8.666/93, c/c o art. 87 da mesma norma, é constitucional e foi corretamente aplicado no presente processo, considerando-se os fatos apurados e a mais abalizada literatura administrativista brasileira.
35. Desta forma, vê-se que a constitucionalidade da sanção de declaração de inidoneidade é incontestável, razão pela qual não prospera o argumento.
VII - PROPORCIONALIDADE DA MEDIDA
36. Diz a impetrante que a pena aplicada viola o princípio da proporcionalidade e procurando esquivar-se da ocorrência sugere que a sanção foi escolhida ao “bel prazer da Administração” (fl. 37). Considera que a sanção “viola nitidamente o interesse público”.
37. O assunto, também proposto no recurso administrativo, mereceu a abordagem deste Consultivo no PARECER CONJUR/MI nº 1339/2007, na forma abaixo:
57. Por fim, quanto à pena mais grave aplicada, aborde-se o princípio da proporcionalidade no âmbito do processo administrativo federal, previsto no art. 2°, parágrafo único, inciso VI, da Lei n° 9.784/99, in verbis:
Art. 2° A Administração Pública obedecerá dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
(...)
VI - adequação entre meios e fins, vedada à imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;
58. Sobre o tema, o ilustre doutrinador Marçal Justen Filho,:
Ainda quando se insista acerca da legalidade e da ausência de discricionariedade, é pacífica que o sancionamento ao infrator deve ser compatível com a gravidade e a reprobabilidade da infração. São inconstitucionais os preceitos normativos que imponham sanções excessivamente graves, tal como é dever do aplicador dimensionar a extensão e a intensidade da sanção aos pressupostos de antijuridicidade apurados. O tema traz a lume o princípio da proporcionalidade.
(Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2005, p. 617).
59. Dessa forma, percebe-se que o princípio da proporcionalidade permite adaptar a sanção à gravidade da infração, evitando punições excessivas em relação aos fatos que as motivam. Em outras palavras, a discricionariedade de que dispõe a Administração Pública permite dosar a pena segundo a conduta praticada pela empresa, o que, no caso concreto em análise, permite aplicar a pena de inidoneidade à empresa.
60. Nesse sentido já decidiu o STJ:
III - Inexiste afronta à proporcionalidade, quando da aplicação da demissão, tendo em vista a gravidade dos fatos apurados, bem como a expressa previsão legal de tal sanção.”
(Precedentes) Ordem denegada.
(MS 8361/DF, Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, DJ 04. 06.2007 p. 295)
61. Posto isso, presentes os elementos para a aplicação da pena mais grave, não há falar-se em violação do princípio da proporcionalidade.
38. Diante das alegações da Impetrante percebe-se, mais uma vez, sua intenção de se fazer confundir o interesse particular da empresa com o interesse público.
39. Partindo do pressuposto de que aquele que pretende contratar com a Administração Pública deve gozar de presunção de idoneidade e do fato de que “os antecedentes da empresa [...] são de ordem a lançar-lhe uma presunção de inidoneidade, a exigir repúdio da Administração com o fim de prevenir novos atentados contra o interesse público por parte de quem já contra ele atentou no passado” (Jessé Torres Pereira Júnior, Comentários à lei das licitações, Renovar, 2003, p. 831), encontra-se perfeitamente justificada a aplicação da sanção e a observância do princípio da proporcionalidade.


Em resumo, estou certo de que:
a) o processo administrativo que resultou na aplicação da penalidade de inidoneidade obedeceu aos seus trâmites legais;
b) não houve desrespeito ao direito de ampla defesa da impetrante no curso do processo administrativo;
c) inexistiu supressão ao direito do recurso hierárquico por o processo administrativo não ter sido enviado ao Presidente da República;
d) há provas concretas analisadas pela Administração e que serviram, sem nenhum desvio jurídico, como base para a decisão impugnada;
e) inexiste inconstitucionalidade na pena de inidoneidade, no caso em exame;
f) a decisão não violou o princípio constitucional da proporcionalidade ao praticar o ato administrativo questionado.

Com base nos fundamentos acima expostos, denego a segurança.

É como voto.








“Saúdo os presidentes dos três Poderes, aqui presentes: Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie Northfleet; da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia; do Senado Federal, Garibaldi Alves; o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza; governadores, parlamentares e demais autoridades presentes,

Senhoras e senhores,

É com grande satisfação que, em nome da Ordem dos Advogados do Brasil - e representando neste ato a sociedade civil brasileira -, ocupo a tribuna para saudar os novos presidente e vice-presidente deste egrégio Superior Tribunal de Justiça: respectivamente, ministros Humberto Gomes de Barros (que até aqui exerceu a vice-presidência desta Corte) e Cesar Asfor Rocha.

Da mesma forma, saúdo o presidente que sai, ministro Raphael de Barros Monteiro, por sua reconhecida trajetória neste Tribunal, do qual se despede sob os aplausos de seus pares e da advocacia, com o justo e pleno reconhecimento pelos relevantes serviços prestados.

De público, externo o meu testemunho de que sempre mantivemos um diálogo respeitoso e cordial, mesmo quando abraçávamos posições conflitantes.

Não poderia ser diferente, pois o relacionamento democrático deve sempre prevalecer entre aqueles que têm responsabilidade, respeito e compromisso com o futuro das instituições que representamos.

Nenhuma melhor do que a outra. Todas absolutamente iguais. Cada qual cumprindo seu papel constitucional de fortalecimento do Estado Democrático de Direito.

Espero, sinceramente, que assim continuemos, para que possamos, juntos, superar conflitos e impedir que a cultura autoritária, a arrogância, as vaidades, os interesses pessoais ou as disputas corporativas enfraqueçam o Poder Judiciário e, com ele, a busca pela Justiça neste Brasil ainda tão desigual.

Ministro Humberto Gomes de Barros, Ministro Cesar Asfor Rocha,

Para a OAB não é simples questão formal ou protocolar participar desta sessão de posse. É momento único para reafirmar o compromisso dos advogados para com uma Justiça que se quer acessível a todos, com a necessidade permanente de vigilância na defesa de um mundo mais justo e igualitário e que não pode dispensar, por isso mesmo, o papel diferenciador de se viver sob a égide do Estado Democrático de Direito.

A forte carga simbólica de que se reveste, reunindo, numa mesma oportunidade, os dois representantes da advocacia na direção do Superior Tribunal da Justiça enseja, de nossa parte, oportunidade de vocalizar anseios e expectativas da cidadania, missão que, por tradição, incumbe a nós, da OAB, cumprir quando da posse de presidentes de tribunais superiores.

E quais são os anseios da cidadania que guardam relação direta com esta posse? Quais as expectativas da advocacia? O que ambas esperam quando, pela primeira vez, dois magistrados forjados no seio da advocacia são convocados para comandar o tribunal que, merecidamente, é conhecido como o Tribunal da Cidadania?

Resolver alguns dos nossos conhecidos conflitos institucionais? Sim. Mas não só isso. Esperamos mais.

Ao reunir, no mesmo corpo diretivo, o advogado-cidadão e o Estado-magistrado, o Superior Tribunal de Justiça certamente demonstra que a idéia, enfim, encontrou sua oportunidade - e se realizou. Cada um dos empossados, ao final da sua missão poderá, ao seu modo, ser “o filósofo que tem ciência de seu tempo”, no bem dizer do alemão Friedrich W. Nietzsche.

É fundamental que não renunciemos à coragem de combater o obscurantismo do Estado Policial, tendência que, desde o atentado de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos – e a pretexto do combate ao terrorismo -, espalha-se como epidemia por importantes países democráticos do Ocidente.

Esse é hoje o grande desafio dos democratas: opor-se aos tentáculos do Estado Policial. E essa luta – que é uma luta em defesa dos direitos mais básicos, dos cidadãos, já incorporados ao patrimônio da humanidade há várias gerações - torna mais importante e vital a presença da advocacia nos tribunais, e a união entre magistrados e advogados.

A união bem simbolizada na vida de Vossas Excelências.

É preciso, definitivamente, não perder a oportunidade para que se compreenda a elementar idéia de que o cidadão não poderá ser considerado o destinatário maior da Constituição Federal, se não lhe for garantido o sagrado direito de defesa, o direito de resistir à ação de um Estado que se julga absolutamente onipotente, onisciente e onipresente, pois tudo pode fazer, acusar, dizer, controlar, bisbilhotar e amedrontar.

É urgente não perdermos a oportunidade de fazer prevalecer a idéia de que o respeito às prerrogativas da advocacia é, na verdade, o respeito às prerrogativas desta cidadania que ainda acredita na importância de viver sob a égide do Estado Democrático de Direito.

O nosso tempo, o tempo da nossa ciência, não pode reeditar um passado em que as manifestações de autoritarismo brotavam de dentro do Estado.

O nosso tempo – tempo democrático - não aceita proibições absurdas de um Estado que atenta contra o constitucional direito à ampla defesa, impedindo, por exemplo, que advogados tenham acesso aos autos - ainda que não munidos de procuração. Ou mesmo de um Estado que se fecha na clausura de um gabinete, trancando suas portas para aquele que Constituição elegeu como “indispensável à administração da Justiça”, exatamente por transformar em ação judicial o anseio humano por reparação de danos.

O nosso tempo não pode aceitar como normal o aviltamento dos honorários advocatícios, tratando seu recebimento como ato de desonestidade ou diretamente relacionado à morosidade da justiça.

Nosso tempo não convive com invasões de escritórios de advocacia, quebra do sigilo das conversas entre o advogado e o seu cliente e uso de grampos ambientais, quase sempre executados pelo Estado-polícia, comandado pelo Estado-Ministério Público e autorizado pelo Estado-juiz.

Nosso tempo não pode conviver com a mercantilização do sonho de ascensão social dos cidadãos através de um ensino jurídico de qualidade, fundamental à preservação de um mínimo de eficiência na própria prestação jurisdicional do país.
Da mesma forma, a extinção do Exame de Ordem apequenaria a importância do saber no exercício de uma profissão que já reúne, hoje, aproximadamente seiscentos mil advogados – vinte por cento de toda a advocacia mundial! – e que chegaria a dois milhões sem este salutar instrumento de controle de qualidade.

É preciso compreender que o estelionato educacional que se pratica no Brasil não pode ser premiado com a liberação dos lucros fáceis destas instituições que enfraquecem o saber jurídico e conspiram pela deterioração da Justiça no país.

E não se diga que essa é uma posição corporativa da Ordem. Corporativistas seríamos se concordássemos com isso. Aumentaríamos em pelo menos dez vezes o número de inscritos em nossos quadros, o que, possivelmente, nos tornaria a maior e mais rica instituição mundial de advogados. Mas isso, claro, desmoralizaria nossa profissão e a Justiça em nosso país.

Nosso tempo cultiva e compreende o espírito democrático do chamado Quinto Constitucional. Não o encara como fator de disputa corporativa entre magistrados e advogados, o que o distorce e enfraquece – e, sobretudo, impede que exerça os efeitos benéficos que o justificam perante a sociedade.

Ao contrário, o Quinto Constitucional é dispositivo que enriquece o Judiciário, permitindo que a ele se agregue a experiência de carreiras correlatas – procuradores e advogados. No caso específico da advocacia, pela qual falo, transmite ao Judiciário maior dose de cidadania e vivência social.

É que o advogado tem como missão envolver-se nesse drama do cidadão comum, compreendê-lo, defendê-lo. O Quinto Constitucional coloca, por meio da advocacia, o cidadão comum no Judiciário.

É, por isso mesmo, o melhor antídoto ao Estado-Policial - e isso já o justifica e absolve de eventuais imperfeições do modelo vigente – que pode ser aperfeiçoado.

É através do Quinto Constitucional – repito - que podemos trazer para dentro do Poder Judiciário vivências como as contadas pelo alagoano Graciliano Ramos – em Memórias do Cárcere – ao ensinar que "quem dormiu no chão deve lembrar-se disto, impor-se disciplina, sentar-se em cadeiras duras, escrever em tábuas estreitas. Escreverá talvez asperezas, mas é delas que a vida é feita: inútil negá-las, contorná-las, envolvê-las em gaze".

É o Quinto Constitucional, por isso mesmo, instrumento de aprimoramento da Justiça, permitindo que sua administração não se restrinja aos juízes de carreira, mas destinada a todos aqueles responsáveis pelo fortalecimento do Poder Judiciário, cada um com sua experiência, cada um com a sua especial contribuição. Cada qual refletindo as vozes dos mais diversos cidadãos e interesses.

Exemplo claro da eficácia desse instrumento temos hoje aqui, nesta cerimônia, que celebra a posse, no comando desta Corte, de dois magistrados egressos do Quinto Constitucional – dois advogados que, com sua competência e integridade, agregam valor ao Judiciário.


Não sem razão, Honoré de Balzac assim liquidou a questão sobre a importância da participação da advocacia na magistratura - participação adotada pelo Brasil no avançar das décadas:

“Todo processo é julgado pelos advogados antes de sê-lo pelos juízes, assim como a morte do doente é pressentida pelos médicos, antes da luta que estes sustentarão com a natureza e aqueles com a justiça.”

Senhoras e Senhores,

Desde a redemocratização, contabilizamos desencantos e frustrações, mas também avanços, superação de equívocos, graduação cívica.

Hoje, a sociedade brasileira, apesar de todos os pesares, tem bem mais consciência de suas necessidades e direitos do que tinha há duas décadas, o que prova que nada educa melhor o cidadão que a prática continuada da democracia.

Há, sem dúvida, avanços sociais, que pesquisas recentes constatam, aferindo o crescimento demográfico expressivo da classe C e a redução de brasileiros abaixo da linha de pobreza, ampliando as faixas de consumo da população e abrindo para uma fatia maior de cidadãos as portas da inclusão social.

As portas da dignidade.

É preciso saudar e reconhecer os avanços para que possamos com maior autoridade cobrar a solução dos problemas ainda pendentes – e que, como sabemos, não são poucos.

E nesse campo cumpre, por parte dos três Poderes, zelo maior por fundamentos inegociáveis do Estado democrático de Direito, cláusula pétrea democrática, sem a qual se estabelece o perigoso e indesejado Estado Policial.

A quem interessa, portanto, enfraquecer a figura do advogado, minando-lhe as prerrogativas, baixando-lhe o padrão profissional, expondo-o à desconfiança pública?

A quem interessa afastar os cidadãos do Poder Judiciário, limitando a atuação do seu representante legal? A quem interessa criar este fosso entre o advogado-cidadão e o Poder Judiciário?

Certamente não aos amantes da democracia, aos cultores do Estado democrático de Direito. Certamente não àqueles que lutam para que a Justiça seja um bem consumido por todos. Certamente não a Vossas Excelências.

Certa vez, Victor Hugo, com sua peculiar maestria poética, encantou-nos quando afirmou que “nada neste mundo é tão poderoso como uma idéia cuja oportunidade chegou”. E chegou a oportunidade de o Estado brasileiro, de uma vez por todas, com a contribuição de Vossas Excelências, reconhecer que cidadania e advocacia são palavras que podem e devem ser conjugadas simultaneamente.

Ministro Humberto Gomes de Barros,

A oportunidade está a favorecer o nosso tempo. Tanto assim que presenciamos hoje, nesta solenidade, pela primeira vez, a nova composição protocolar da mesa de cerimônia, em que o representante da OAB passa a integrá-la, lado a lado ao assento do presidente do STJ.

Essa mudança protocolar tem louvável conteúdo simbólico, pois associa esta Corte ao fundamento expresso na Constituição Federal, artigo 133, segundo o qual o advogado “ é indispensável à administração da Justiça”.

Mas precisamos ir bem além desta simbologia.

Precisamos expressá-la na prática, estabelecendo cooperação efetiva entre magistratura e advocacia, tendo em vista o bem comum e o aprimoramento da prestação jurisdicional.

Não há, como já disse, prioridade maior neste país que a promoção da Justiça, premissa básica para que superemos as limitações do subdesenvolvimento econômico e os danos morais da exclusão social.

A presença da advocacia na composição dos tribunais está em consonância com o que estabelece o artigo 133 da Constituição, que já citei.

O advogado não é apenas coadjuvante, mas, nos termos da Constituição, também protagonista – por isso indispensável à administração da Justiça.

E não se diga que tal arranjo é novidade heterodoxa da Constituição Cidadã, de 1988, que tanto desagrada o conservadorismo político.

O espírito do Quinto Constitucional precede-lhe em muito. Repete regra do artigo 144 da Constituição de 1967 (emenda n° 1 de 1969); do artigo 104, alínea b, da Constituição de 1946; do artigo 104, parágrafo 6° da Carta de 1934.

Em prol da produção de Justiça, advogados e magistrados jamais podem estar em posição de confronto, em rota de colisão. São agentes do bem supremo da civilização, que é a Justiça.

E ambos devem buscar a simbiose de suas funções, pois não há como escapar a este axioma: quem não serve para ser juiz, não serve para ser advogado – e vice-versa.

Devo encerrar a saudação dos advogados com a confiança que marca a relação de amigos, de cidadão para cidadão, de um operador do direito para outro.

E o faço sabendo, feliz e esperançoso de que Vossa Excelência, presidente Humberto Gomes de Barros, ao término de seus cento e oito dias de gestão, não fará como o Aureliano Buendía, de Gabriel Garcia Marques que, “ao decifrar os pergaminhos de sua existência e de tudo o que estava escrito neles”, concluiu, tardiamente, que a vida “era irrepetível desde sempre - e para todo o sempre -, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinha uma segunda chance sobre a terra”.

Muito obrigado.”






Ministro Humberto Gomes de Barros
Presidente do Superior Tribunal de Justiça

Inicio estas palavras agradecendo aos colegas a confiança que depositaram em mim.

Muito obrigado.

Prometo fazer todo o possível, para honrar os sufrágios que recebi.

Confesso, desde logo, minhas limitações na arte de administrar. Não sou bom gerente. Sei, contudo, escutar e aproveitar conselhos.

Por isso, rogo antecipadas desculpas pelos incômodos que causarei, com seguidos pedidos de sugestões e outorga de tarefas a cada um dos ministros.

Pretendo ser – mais que presidente - o denominador comum das idéias e anseios de todos os que colaboram na distribuição de Justiça.

Além de meus pares no Superior Tribunal de Justiça, incomodarei muita gente, consultando e distribuindo encargos: magistrados, advogados, agentes do Ministério Público e os colegas servidores do Tribunal, que não exercem jurisdição, mas cooperam na entrega da prestação jurisdicional.

Quedo-me tranqüilo na certeza de que terei a meu lado o Ministro Cesar Asfor Rocha, amigo leal, experiente magistrado e primoroso jurista. Não bastassem essas qualidades, o Vice-Presidente, Asfor Rocha, é dotado de experiência e tino administrativo. Sua Excelência sabe temperar a firmeza da Justiça com a suavidade da poesia que compõe e transforma em belas músicas. Tem, de quebra, a orientá-lo, a sabedoria de uma filha de Juazeiro do Norte: a Dra. Magda Bezerra Rocha.

Conterrânea de nosso Padrinho Padre Cícero, ela certamente obterá suas graças em favor de nossa administração.

Tenho, ainda, os exemplos deixados pelos eminentes Ministros Raphael de Barros Monteiro e Francisco Peçanha Martins, que desenvolveram gestão eficiente, segura e discreta.

Ao tempo em que lhes agradeço, presto homenagem a suas admiráveis esposas: Maria Auxiliadora de Barros Monteiro e Clara Peçanha Martins.

Senhor Presidente da República!

Há dezessete anos, a Ordem dos Advogados do Brasil inseriu-me em lista de seis nomes indicados para compor este Tribunal Superior.

Meu projeto de vida não envolvia a magistratura. Visava apenas o exercício da advocacia. Queria ser advogado.

Ao colar grau na Faculdade Nacional de Direito, alimentava, no inconsciente, a esperança de retornar a Alagoas e, lá, render-me à tradicional vocação familiar, dedicando-me ao exercício da política partidária.

Essa perspectiva morreu no nascedouro.

Meus planos logo sofreram desvio: uma carioca impediu meu retorno.

Casei-me com Yvette.

Emigramos – ela e eu – e nos incorporamos à grande aventura de Brasília. Na cidade recém-formada, engajei-me no universo dos jovens advogados que aqui começavam a vida.

O viés familiar acomodou-se à realidade da nova capital. Na falta de eleições governamentais, envolvi-me no pleito mais importante de Brasília: a disputa para o Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil.

Foram dez eleições: nove vitórias; uma só derrota.

O Conselho Federal lançou-me desafio que a ninguém é dado rejeitar: a indicação para o Superior Tribunal de Justiça.
O desafio era ainda mais sedutor, porque o recém-criado STJ fora concebido para liberar o Supremo Tribunal Federal, transformado em corte exclusivamente constitucional.

Para o Superior Tribunal de Justiça, a Constituição reservara o encargo de velar pela segurança jurídica, no âmbito infraconstitucional.

O objetivo que inspirou o Constituinte foi assegurar – nos Estados e regiões – o duplo grau de jurisdição, prestigiando os tribunais estaduais e regionais.

Somente lhes chegariam causas de maior repercussão, quando houvesse incerteza relativa à incidência ou interpretação da legislação federal.

Para essas hipóteses, foram concebidos o recurso extraordinário e o recurso especial.

Fascinado com a perspectiva de colaborar na consecução de tal objetivo, aceitei a provocação da OAB.

Virei magistrado.

Incorporei-me ao novo Colegiado.

Em 1991, com dois anos de existência, o STJ identificava-se como o Tribunal da Federação e consolidava posição pioneira na estrutura do Poder Judiciário brasileiro.

Abandonou velhas técnicas que dificultavam o conhecimento de recursos excepcionais.

Mitigou a exigência de prequestionamento e outras dificuldades. Passou a resolver questões federais efetivamente relevantes.
Desgraçadamente, a nova Corte foi vítima de fatal esquecimento. Tanto o Constituinte de 1988 quanto o Legislador ordinário esqueceram-se de imunizá-la contra velha endemia que aflige o Poder Judiciário brasileiro – o processualismo e a ineficácia das decisões judiciais.

À míngua de vacina, os recursos especiais passaram a observar velhas regras, concebidas para os recursos ordinários.

Submetidas aos preceitos arcaicos, as decisões do STJ – em vez de funcionarem como faróis, orientando em definitivo a aplicação do direito federal – reduziram-se a soluções tópicas, cujo alcance limitava-se às partes envolvidas em cada processo.

Geraram-se situações insólitas. Lembro, a propósito, aquela em que – chamado a definir o índice de correção do FGTS – o Tribunal foi compelido a repetir-se em milhares de processos absolutamente idênticos.

Houvesse bom senso – uma vez estabelecido o índice de reajuste – todos os julgadores passariam a aplicá-lo. Estaria realizada a idéia inspiradora do STJ: gerar segurança jurídica e prestigiar as decisões locais.

Isso não aconteceu.

O STJ transformou-se em terceira instância. Passou então a receber, indiscriminadamente, apelos oriundos de 32 tribunais, espalhados por todo o Brasil.

Os recursos que deveriam ser especiais converteram-se em ordinários.

Assim, os 19.267 processos julgados em 1991 transformaram-se, no ano passado, na inacreditável soma de 330.257 decisões.

Dividido esse total pelo número de ministros que integram a Corte, percebe-se que, em 2007, cada magistrado apreciou, em média, 11.901 processos. A enormidade transparece quando lembramos que o Art. 106 da Lei Orgânica da Magistratura fixa em trezentos o limite de distribuição anual de processos por magistrado.

Sufocado pelo insuportável peso de tantos encargos, o Tribunal mergulhou em paradoxo semelhante àquele que envolveu o patético Juca Mulato.

O trágico personagem de Menotti Del Pichia descobriu que
Esta vida é um punhal com dois gumes fatais:
Não amar é sofrer; amar é sofrer mais!

À semelhança do patético Juca, o STJ percebeu que, na situação em que se encontrava,
Não julgar é justiça denegar;
Julgar às pressas é arriscar
E com a injustiça flertar.

Criado para funcionar como instância excepcional, o Tribunal da Federação desviou-se. Passou a dedicar mais da metade de sua atividade ao trato de agravos de instrumento – apelos indiscutivelmente ordinários.

Essa circunstância nos relega ao status de corte semi-ordinária.

O exagerado número de feitos intensificou a freqüência dos julgamentos, aumentando a possibilidade de erros, tornando insegura a jurisprudência.

Insegura a jurisprudência, instaura-se o império da incerteza.

Sem conhecer a correta e segura interpretação dos enunciados jurídicos, o cidadão queda-se no limbo da dúvida.

O Superior Tribunal de Justiça deixou de ser o intérprete máximo e definitivo do direito federal.

Desviado de sua nobre função, tende a se tornar um fator de insegurança.

Às vésperas de completar vinte anos, o tribunal adolescente enfrenta crise de identidade.

Preso a infernal dilema, vê-se na iminência de fazer uma de duas opções:
– consolidar-se como líder e fiador da segurança jurídica,
ou
– transformar-se em reles terceira instância, com a única serventia de alongar o curso dos processos e dificultar ainda mais a prestação jurisdicional.

Intoxicado pelos vícios do processualismo e fragilizado pela ineficácia de suas decisões, o STJ mergulha em direção a essa última hipótese.

Para fugir a tão aviltante destino, adotou a denominada “jurisprudência defensiva”, consistente na criação de entraves e pretextos para impedir a chegada e o conhecimento dos recursos que lhe são dirigidos.

Outro artifício é a utilização da informática no exame e julgamento de processos. Em seu exercício, os processos repetitivos são agrupados conforme os temas e recebem decisão padronizada, aplicada pelo computador e firmada por assinatura digital.

Substituímos o juiz natural pelo juiz eletrônico.

A crise não é recente.

Em 14 de agosto de 1997, presidi sessão da Primeira Turma em que foram decididos mais de quinhentos processos.
No curso daquela reunião, a tristeza inspirou-me poema que dizia:
Votos iguais
Recursos inúteis

Da monotonia
O tédio profundo
Faz com que a Turma
Se alheie do mundo

Quinhentos processos
Passaram por nós
Que os deglutimos
Sem dó e sem pena
Cumprindo agenda
Com a indiferença
De férrea moenda

O STJ
Tão bem concebido
Sucumbe à sina
De se transformar
Em reles usina

E cada Ministro
Perdendo o valor
Torna-se um chip
De computador

Quatorze de agosto
Oh! quanto desgosto!

De lá para cá, o problema só fez aumentar: em 1997 ingressaram no STJ 87.388 processos – pouco mais que a quarta parte dos 330.257 decididos em 2007.

Desses 330.257 recursos, 258.230 – vale dizer: 78% – repetiam questões já superadas pelo Tribunal.

Quase todos foram resolvidos pelos computadores.

Esses processos saíram dos tribunais locais e vieram a Brasília. Aqui, receberam decisão padronizada e retornaram à origem ou mergulharam no arquivo morto. Foram, simplesmente, moídos. Deles aproveitou-se, apenas, quem os manejou para retardar o cumprimento de suas obrigações.

Lucrativa para o inadimplente, a proliferação de feitos é caríssima para o litigante vitorioso e para todos os contribuintes.
Com efeito, o custo da anomalia não é baixo. Nos últimos dois anos, o processamento de tais inutilidades no âmbito do STJ custou aos cofres públicos praticamente 140 milhões de reais .

Nesses cálculos – é bom registrar – não se incluíram as despesas com transporte dos autos, entre o tribunal de origem e Brasília, nem o retorno deles após julgamento eletrônico.

Os números revelam que a Justiça brasileira é extremamente barata para os litigantes de má-fé e caríssima para os bons cidadãos.

Tão dolorosa situação agride a garantia constitucional da “razoável duração do processo” (Art. 5º, inciso LXXVIII).

É necessário reverter esse processo deletério.

O Tribunal necessita resgatar sua identidade e retornar ao rumo que lhe traçou a Constituição Federal.

Não podemos esquecer que o STJ foi criado para assegurar a eficácia e unificar a interpretação do direito federal.

Sua missão é exercer, no âmbito infraconstitucional, o trabalho desenvolvido pelo Supremo Tribunal Federal no plano constitucional.

Tanto quanto o STF, o STJ é um tribunal excepcional.

Tanto quanto o STF, o STJ é fator de segurança jurídica.

Bem por isso, é necessário preservar essas duas Cortes, para que elas possam bem cumprir suas missões constitucionais.

Bem por isso, o Constituinte dotou o Superior Tribunal de Justiça de um instrumento em tudo semelhante ao recurso extraordinário – o recurso especial.

Os dois apelos sempre observaram um mesmo procedimento.

No entanto, nos últimos tempos, o trato do recurso extraordinário afasta-se decididamente daquele reservado ao recurso especial. A Lei 11.418/2006 inseriu no Código de Processo Civil os Arts. 543-A e 543-B, condicionando o conhecimento do recurso extraordinário à possibilidade de repercussão geral e reservando tratamento especial para as questões repetitivas.

Graças ao socorro do Legislador, o Supremo Tribunal Federal começa a libertar-se da irracionalidade.

O Superior Tribunal de Justiça, inexplicavelmente, ficou ao largo das providências salvadoras.

É necessário e urgente que tais instrumentos sejam estendidos ao recurso especial. Com todo respeito ao Legislador, a discriminação carece de sentido.

O correto entendimento do direito positivo infraconstitucional é, também, fundamental para a manutenção da segurança jurídica.

É possível que sejamos culpados por nosso esquecimento. Certamente fomos inertes na apresentação de projetos tendentes à superação da crise. Deixamos que o Poder Executivo elaborasse textos que não nos atendem.

Purgaremos, logo, nossa mora: a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados tem como um de seus objetivos a geração de projetos capazes de ajustar a anomalia.

Em nome da Corte e em favor de todos os que necessitam de justiça, lanço um apelo a nossos parlamentares: ponham a nosso alcance os instrumentos salvadores concedidos ao Supremo Tribunal Federal.

Nosso apelo, estou certo, haverá de ser atendido.

Senhora Presidente do Supremo Tribunal Federal!

Permita, após esse doloroso pedido de socorro, que eu faça um sentido agradecimento a todos os presentes.

Ao ver este majestoso auditório lotado, dou graças a Deus, que me permitiu semear e cultivar amizades ao longo da vida.

São todos amigos - amigos de infância, de escola, de futebol, de faculdade, de advocacia, de magistratura, de coração.

Vejo daqui meus primos – tanto aqueles descendentes do saudoso Laurentino Gomes de Barros, quanto os outros, oriundos do também saudoso Félix Alves Bezerra Lima.

Amigos e parentes; é impossível pronunciar os nomes de todos.

Ao vê-los, emociono-me na certeza de que sou um homem feliz.

A emoção impede-me de dizer algo mais que um amoroso MUITO OBRIGADO!

A meus pais, Carlos e Laura Gomes de Barros, um beijo de agradecimento, com o sabor agridoce da saudade. Considero-os presentes nas pessoas de meus irmãos: Eda, Arnoldo e Yone.

Yvette, doce, autoritária, alegre, severa, prudente, corajosa, é a verdadeira dona desta festa. Graças a ela, livrei-me de erros e tive ânimo para continuar. Ela foi, em verdade, minha sorte grande.

Humberto e Debhora; Lícia e Jefferson; Raquel e Fernando; Carlos Adolfo e Ana Roberta – oito filhos queridos, felizes, cidadãos exemplares.

Pedro Paulo, Fernanda, Guilherme, Carolina, Ana Júlia, Mariana e Fernando – netos, filhos açucarados.

Como tenho orgulho de vocês!

A meus colegas de equipe no Gabinete estendo as alegrias deste momento. Graças a vocês consegui atravessar esses dezessete anos de trabalho duro, sério e correto. Somos vitoriosos!

À Ordem dos Advogados do Brasil presto contas, esperando haver honrado a confiança que me emprestou. Posso dizer apenas que tudo fiz para honrar o Quinto Constitucional.

Senhores Procurador-Geral e Presidente da OAB:
Termino falando de minha terra:
Minha terra tem coqueiros
Tem cana tem sururu
Carapeba jenipapo
Caju e maracujá
Tem a beleza das lagoas
E a mais linda cor de mar
Minha terra tem montanhas
Cuja graça emociona
Ao relance do olhar
Tem o Cristo Redentor
Que de longe e lá do alto
Com os braços bem abertos
O mundo quer abraçar
Minha terra é o cerrado
Onde floresce o pequi
Onde vivem em liberdade
A ema e o lobo guará
Onde há belos palácios
E o Sol em cada ocaso
Dá um show de encantar
Minha terra é Maceió
Que eu amo por inteiro
Mas também é minha terra
O belo Rio de Janeiro
Brasília é por igual
Meu torrão verdadeiro
Maceió me deu à luz
Já o Rio me deu luz
E Brasília finalmente
Expôs-me ao pau-de-luz

Maceió e Brasília
Mais o Rio de Janeiro
A bem da verdade
São as três de uma vez
A minha cidade

Três em uma
Uma em três
A minha cidade
É uma trindade.

Muito obrigado.




fonte: STJ

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